sexta-feira, 9 de outubro de 2009



9 de outubro de 2009 | N° 16119
DAVID COIMBRA


O que um homem realmente quer

Aos dois anos de idade, meu filhinho encontra-se diante de todo o drama humano que se passa debaixo do sol. Atravessa os dias empregando uma espécie de fórmula de encantamento, uma frase curta, mas que resume com exatidão o que há de realmente importante na vida.

Os crimes bestiais, as criações celestiais, as filosofias de Schopenhauer e de Nietzsche, as teses de Freud, o cerne do Cristianismo e, mais ainda, do Budismo, tudo está contido nessa frase. Uma frase que pode ser a salvação ou a perdição do homem, que você pode não falar, mas está todos os dias, o dia todo, pulsando-lhe na alma. Esta:

Eu quero.

Ou, no caso dele, eu quelo. Com a variação evidente, que na verdade não é uma variação, é uma mudança de lado do mesmo objeto: eu não quelo.

O tempo todo ele passa exercitando esse novo poder, recitando as palavras mágicas. Eu quelo! Eu não quelo!

E está tudo ali. Tenho a sorte de ver de perto o espírito humano se formando em toda a sua aparente complexidade, como se eu fosse um cientista da National Geographic observando o comportamento das hienas do Serengeti.

Todos os conflitos que estufam de dólares as contas bancárias dos psicanalistas estão fermentando agora mesmo na alma do meu nenê. Como eu, você e os outros 6 bilhões e meio de pessoas do planeta, ele quer, mas às vezes o que ele quer lhe é negado; ou não quer, mas às vezes o que ele não quer lhe é imposto.

E ainda mais sofisticado: às vezes ele não sabe o que quer, ou, se quer, não sabe que, tendo satisfeito o seu desejo, mais tarde não quererá mais, ou terá outro querer.

O que mais espanta é isso. É que você, adulto formado, você que já trançou a língua na língua de outro adulto formado, você que é capaz de parar um ônibus ao erguer o braço, você que usa óculos escuros, que caminha sozinho pelo centro da cidade, que consulta o Google, você que lê as horas no relógio, que faz todas essas coisas típicas de adultos formados, você não é diferente de um nenê de dois anos, na essência.

Você está cheio de quereres, e quer mais aquilo que não tem, porque o que você já tem você não precisa mais querer.

Como um nenê de dois anos, você passa o dia querendo e tentando satisfazer esses desejos na ilusão de que isso lhe trará felicidade. Você quer tomar um café, você quer ler o jornal, quer comprar uma camisa, quer trocar de carro, quer trançar a língua naquela outra língua. Não são necessidades; são desejos.

A alma do capitalismo, algum cínico pode dizer. E é verdade, porque o capitalismo é o sistema mais humano que há, em tudo o que há de ruim e em tudo o que há de bom.

Desde os dois anos você compreende essa verdade: que querer, de fato, é poder. Mas não poder no sentido de conseguir. Poder no sentido de força. Por causa desta frase, eu quero, o mundo se move, as pessoas se amam e se matam.

Todos querem a todo tempo, e querem tanto e tanto que se confundem. Você sabe realmente o que quer? Decerto que não. Mas talvez você e meu filhinho tenham que descobrir que querer menos é sofrer menos, e sofrer menos, quase sempre, é o máximo que se pode fazer para ser feliz.

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