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sábado, 24 de outubro de 2009
25 de outubro de 2009 | N° 16135AlertaVoltar para a edição de hoje
PAULO SANT’ANA
Previna-se para a surpresa
Temos que estar sempre prevenidos para a surpresa. Esta frase que acabo de fazer dá um tratado.
Todo o infortúnio humano está contido em não se saber conviver com o inesperado. E a surpresa é um fenômeno repetitivo na vida, talvez o maior significado dela, desde que toda a existência é sempre presidida pelo que vai acontecer, o futuro, o que será será, o transcurso e o embalo do destino.
O homem se despedaça quando se defronta com a surpresa. Tanto com a má surpresa quanto com a boa surpresa.
Um exemplo de como a má surpresa nos faz desmoronar é a morte de um ser querido nosso.
E um exemplo, entre milhares, de que o homem pode aniquilar-se diante da boa surpresa é o inferno que vira a vida de muitos que ganham os grandes prêmios da loteria.
Foi assim que ela uma vez me surgiu de surpresa, na esquina movimentada. E o fulgor dos seus olhos veio se encontrar com os meus olhos já há tanto tempo desanimados e sem desejo.
E ela puxou conversa e veio de mansinho e aos poucos floreando o galo da minha desilusão.
E foi se esgueirando entre os carvalhos de fastio plantados no chão árido do meu coração.
E veio degelando a friagem do meu desencanto com a lava incandescente do seu vulcão desejante da minha poesia e de auxílio obstinado ao meu desamparo.
E foi me alegrando e foi crivando todo o meu corpo e minha alma com as setas do seu entusiasmo.
E foi atrevida e imperante dias depois, quando me disse: “Agora tu já és meu, agora todas estas aventureiras que tentaram te tocar sem o cacife da afetividade que me sobra restarão frustradas. Agora tu és só meu. E todas elas, que vão capinar!”.
E foi armando seu acampamento ao redor do meu coração. E foi fixando residência ali mesmo com intenções de todo o sempre, tecendo o teto de santa-fé de sua cabana com os meus aurículos e ventrículos, tornando-se em apenas 20 dias dona de mim, submissa por mim, rainha e escrava, amada que jamais esquecerei.
Aquela foi a maior, a mais inteira e magnífica surpresa que eu soube manejar, um sol que entrou pela minha janela escura e úmida e resplandeceu por muito tempo, um tempo que, pela força da tatuagem que não saiu mais da minha pele e pelas lembranças que nunca mais deixaram de iluminar o meu espírito, posso hoje chamar de eternidade.
Que amor que eu vivi com ela! Que ensandecido amor celebramos pelos becos, pelos gramados, pelas praias, pelas ruas, pelos escritórios, porque onde eu ia ela ia junto, seguindo-me por todos os caminhos, já que era impossível estarmos um instante só de qualquer dia separados, que incrivelmente tínhamos saudade um do outro após segundos de afastamento.
Que amor! E da vida só se leva o amor! Mesmo que tenha sido passado, mesmo que se tenha esperança de que ele ressurja em outra no futuro.
Crônica publicada em 28 de abril de 2000
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