sábado, 24 de outubro de 2009



24 de outubro de 2009 | N° 16134
CLÁUDIA LAITANO


Comer e rezar, beber e jogar

Mulher recém-separada (ou com o casamento em crise) parte em férias para as ilhas gregas (ou para uma charmosa vila na Toscana ou para qualquer outra paisagem exótica e deslumbrante ao gosto do freguês) e lá reencontra a alegria de viver nos braços de um ardente amante latino (jamais um suíço ou um finlandês, por exemplo).

Você já leu esse livro, já viu esse filme ou assistiu a essa peça. Essa é a história, entre tantas outras, de Shirley Valentine – espetáculo que esteve em cartaz em Porto Alegre no último fim de semana.

O sucesso mais recente desse gênero, que a gente podia apelidar de “on the road romântico” , é Comer, Rezar, Amar, de Elizabeth Gilbert, best-seller com mais de 4 milhões de exemplares vendidos que está sendo filmado na Indonésia. No filme, Julia Roberts interpreta a balzaquiana em crise que busca o autoconhecimento em cenários “exóticos” – para americanos, qualquer coisa localizada a leste de Londres – e acaba se apaixonando por um amante latino (no livro, um brasileiro; no filme, o ator espanhol Javier Bardem).

Não li Comer, Rezar, Amar (nem a crise existencial mais profunda ou o amante latino mais ardente me levariam a percorrer o mundo em busca do segundo item), mas achei muito divertido quando fiquei sabendo que havia sido lançada uma debochada versão masculina do livro – e com um título que promete resumir as ambições mais profundas de seu público-alvo.

Beber, Jogar, F@#er, de Andrew Gottlieb, pega carona no best-seller nos mínimos detalhes – da capa à estrutura dos capítulos, incluindo o final romântico ideal para a adaptação para o cinema.

Descansando lado a lado na prateleira de um hipotético casal de leitores (há literalmente “vendas casadas”, com desconto, em oferta nas livrarias), o conjunto oferece uma curiosa galeria de estereótipos de ambos os sexos – além de ser um desafio para qualquer harmonia conjugal.

De um lado, a mulher que aspira à elevação espiritual e ao amor romântico. Do outro, o homem que sonha em se divertir sem regras, enchendo a cara com os amigos e fazendo sexo à vontade e sem compromisso.

Lidos em conjunto, os títulos podem ser vistos como complementares ou contraditórios – dependendo do ponto de vista. Comer e beber aparentemente fazem parte da mesma comunhão à mesa, mas enquanto o prazer feminino de desfrutar uma bela refeição remete a jantares românticos ou à família, a bebida da fantasia masculina não é o cálice de vinho degustado lentamente, mas a alegre noitada com a turma de amigos (sem mulheres atrapalhando, de preferência).

Amor e sexo podiam muito bem se complementar (e não é para discutir a relação que elas pensam no amante latino), mas o casamento não combina com a fantasia de variedade infinita deles. Dois a zero para a discórdia.

Sobram rezar e jogar. Bom, de quem reza, se diz que “tem” fé, e de quem joga que “faz” fé – mas provavelmente apenas os jogadores muito endividados conseguem fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Três a zero.

E a mulher daquele hipotético casal acaba de fazer as malas para a Itália.

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