sábado, 24 de outubro de 2009



25 de outubro de 2009 | N° 16135
MOACYR SCLIAR

A mãe de todas as senhas

Na minha infância, era muito comum a expressão chaveiro de freira para designar o impressionante molho de chaves que algumas religiosas, especialmente as diretoras de escola, carregavam, em geral preso ao cordão do hábito. Explicável: o acesso a depósitos, a salas de administração, a auditórios, a bibliotecas, tinha, naturalmente, de ser vedado a estranhos. Daí as fechaduras, os cadeados. E daí as chaves, que eram frequentemente enormes, o que reforçava o aspecto simbólico da vigilância.

Com o triunfo da eletrônica, as chaves sumiram; deram lugar às senhas. Que são tão ou mais numerosas que os chaveiros do passado. Não há nenhuma dificuldade em carregá-las. Mas existem outras, e espinhosas, dificuldades para seu uso.

Para começar: as chaves vinham junto com as fechaduras, com os cadeados. A gente já as recebias prontas, num protótipo de fato consumado. Senhas, não. Senhas nós criamos, ou usamos aquelas que são criadas para nós.

Em qualquer dessas possibilidades existe um processo de criação, perto do qual a criação literária, por exemplo, é brincadeira de criança. Inventar uma senha é muito mais complicado do que parece. Para começar, e como a gente descobre lendo o que os especialistas (sim, existem especialistas em senhas) escrevem sobre o assunto, existem senhas fortes e senhas fracas, e estas últimas têm de ser evitadas a qualquer preço: no tipo de sociedade em que vivemos, os fracos não têm vez.

Data de aniversário, por exemplo, é uma coisa muito gratificante para a pessoa, mas, dizem-nos os experts, como senha é fraquíssima, um desastre. Pode ser que ninguém esteja interessado em cantar o Parabéns a Você em nosso natalício, mas, para os hackers, descobrir em que dia nascemos pode ser a sorte grande. Não, senha ter de ser complexa, senha tem de ser grande. Uma frase, por exemplo.

“O quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos”, parece boa, mas, e se o hacker conhece o teorema de Pitágoras? E se o próprio Pitágoras reencarnou e virou hacker? Perigoso. Melhor usar um texto original e bem longo. Que tal um romance, por exemplo? Um romance não muito extenso, aí de umas cem páginas, poderia quebrar o galho.

O outro problema é que as senhas são legião, tão frequentes que até dá título a uma divertida composição de Adriana Calcanhotto. Há senhas para a conta bancária, para a Internet, para o alarme do prédio, para o cadeado que a gente usa na maleta de viagem... Haja imaginação para criar tantas senhas.

E sobretudo haja memória: esquecer senha é uma coisa frequente, e preocupante, porque além do transtorno nos faz pensar em Alzheimer.

Talvez a solução seja ter todas as senhas num minicomputador que sempre levaremos conosco. Agora: para entrar neste precioso depósito que resume nossas vidas, precisaremos, claro, de uma senha, uma grande senha, a mãe de todas as senhas. E aí vem a suprema dúvida, a dúvida que a rigor encerra o segredo de nossas vidas: e se a gente esquecer essa senha?

Agradeço as mensagens de Zilba Bertelli, Carlos Steiner, Vitorino Borghetti, Maria Morales H. Dias, Regina M. Albrecth, Jussara Becker, e a publicação enviada pela grupo Falos & Stercus.

As chaves deram lugar às senhas, que são mais numerosas que os chaveiros do passado

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