segunda-feira, 26 de outubro de 2009



Abaixo a aposentadoria

Em uma mesa, grupo com mais de 60 anos divide fórmulas sobre como manter o espírito produtivo

Em junho de 1968, Roberto Py decidiu largar o cigarro. Num rompante, típico das manifestações que eclodiam pelo mundo naquele ano, Py também resolveu que nunca mais usaria relógio de pulso.

Cumprindo a promessa e sentado a uma mesa onde os cinco integrantes somavam 336 anos de vida, na última sexta-feira o arquiteto de 72 anos ofereceu a metáfora do relógio como forma de preparar a mente para o envelhecimento.

– Nunca vi o tempo passar – argumentou Py, diretor do Colégio Farroupilha de Porto Alegre.

O arquiteto foi um dos convidados da mesa redonda Maiores de 60: quando a experiência diz tudo, promovido pelo Instituto Ciclos e pela consultoria de recursos humanos Place RH. Ao lado da artista plástica Zoravia Bettiol, 73 anos, do ortodontista Carlos Mundstock, 67 anos, e da professora aposentada Clarisa Wolff Garcez, 61, Py cantou em uníssono com os colegas uma melodia contra a aposentadoria.

A pequena plateia que acompanhou as reflexões dos convidados ouviu Clarisa contar como encontrou conforto ao assumir a coordenação do Programa de Apoio Pedagógico no Hospital da Criança Santo Antonio e ao se tornar voluntária da ONG Via Vida Pró Doações e Transplantes. Depois de se aposentar, a professora sentiu que devia retribuir as oportunidades recebidas da sociedade dando aulas para crianças hospitalizadas impedidas de frequentar a escola.

– Esta fase da vida está sendo muito boa e produtiva. Eu tinha desejo de dar um retorno à sociedade. Essa gratificação faz um bem incrível – contou.

A necessidade de manter o espírito produtivo após os 60 anos dominou o encontro. Mas a dúvida era como fazer isso. Um tanto cética, a plateia quis saber de que forma um aposentado do sistema público poderia se sustentar apenas com o benefício mirrado do governo e um trabalho voluntário.

O público também criticou a discriminação das empresas contra os mais velhos. Coordenando os debates, Izabel Ibias, que, aos 63 anos, carrega as atividades de atriz e diretora de teatro, gerontóloga e psicanalista, argumentou que a capacidade de encontrar uma atividade rentável após os 60 depende – e muito – da própria preparação.

– Cinquenta por cento está nas nossas mãos. Mas uma coisa é certa: não tem o que canse mais do que descansar demais – alertou Izabel.

Entre as interrogações, emerge uma certeza do canto esquerdo do palco. A artista plástica Zoravia lembrou que os artistas têm a vantagem de envelhecer tirando frutos da criatividade e do prestígio acumulado.

– Aposentadoria, nem sei o que é essa palavra. A criatividade brota da gente independentemente da nossa situação. Continuo com muitos planos profissionais – contou a artista.

Plateia e mesa concordaram. Artistas experientes, como o maestro Frederico Gerling Júnior, da orquestra da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), seguem na labuta usando a experiência e a sensibilidade como antídoto contra o envelhecimento. Aos 84 anos, Gerling não estava no evento da última sexta-feira, mas engrossaria o canto de protesto contra a aposentadoria.

– Esse negócio de ser mais velho ou menos velho depende da pessoa. Trabalho do mesmo jeito que trabalhava há 70 anos. Tanto faz um ano a mais ou um ano a menos – disse o maestro, por telefone, no sábado.

Os presentes não encontraram uma equação para a contribuição dos idosos para a sociedade. Avós participativos, mão de obra qualificada, voluntário, artista ou voz experiente em ambientes corporativos, as alternativas dependem muito da vocação de cada pessoa.

Mas, do relógio aposentado pelo arquiteto Roberto Py passando pela vitalidade criativa do maestro Gerling, as fórmulas do envelhecimento sadio encontram um ponto comum na felicidade.

Quem desempenha uma atividade prazerosa e se prepara para continuar em forma mesmo depois dos anos 60 anos tem mais chances de chegar à velhice com espírito jovem. Gerling, decano dos entrevistados, oferece uma reflexão aguda para quem ainda enxerga a terceira idade a distância:

– O idoso se forma durante a juventude.

Jovens, preparai-vos: a velhice virá.

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