quarta-feira, 24 de junho de 2009


MARCELO COELHO

Um brinquedo diabólico

Sinto saudade de bonecos mais primitivos; minhas chaves não funcionam

VOCÊ SABE o que é um Bakugan? Não é fácil de explicar. Eu próprio tenho dúvidas a respeito. Antes de tudo, é preciso já ter visto um DinoRock, ou retornar às origens e evocar na mente a imagem de um Kinder Ovo.

O Kinder Ovo é atualmente objeto corriqueiro em padarias e supermercados. Trata-se de um pequeno e fino ovo de Páscoa bicolor, dentro do qual se esconde uma cápsula de plástico, difícil de desatarraxar. Na cápsula se esconde um minúsculo brinquedo-surpresa, acompanhado de um manual de instruções liliputiano, que os pais terão de seguir na hora de montar as pecinhas encarregadas de fazer a alegria fugacíssima de uma criança de cinco anos.

A coisa evoluiu para o DinoRock, brinquedo que acompanha as edições da revista "Recreio", voltada para crianças dessa idade. É uma espécie de sólido e duro objeto de plástico em forma de pedregulho, meio rugoso, que varia de cor conforme a edição. Cabe aos pais descobrir as ranhuras certas naquele seixo colorido.

Usando-se com atenção as unhas, aquele objeto fechado em si mesmo se abre. De seu ventre nascem um pescoço, uma cabeça, um rabo de dinossauro, formando o bicho pré-histórico por inteiro.
O "bakugan" é a mesma coisa, só que menor e mais complicado. Vem na forma de uma bolinha de pinguepongue, e não dá trabalho na hora de abrir. Basta arremessá-la no chão, ou em cima de alguma das cartas imantadas de um baralho especial. Pronto! A bolinha se transforma em outra coisa, não sei se robô, guerreiro ou dinossauro. Para os pais, o problema será reconduzir o brinquedo à sua forma original de bolinha. Às vezes é fácil.

Bakugans elaborados, entretanto, exigem uma sequência precisa de movimentos e a coordenação impecável dos dez dedos do pai ou da mãe.

Uma cabecinha de dinossauro retrátil deve ser pressionada na direção do pescoço do bicho, enquanto suas asas têm de ser recolhidas no tempo certo. Eis então que os dois hemisférios do brinquedo não se encaixam! Tente de novo.

Sinto saudade de trenzinhos e bonecos mais primitivos. Hoje em dia, por razões de segurança, o compartimento das pilhas nos brinquedos tornou-se indevassável. O pai ou responsável deve possuir um jogo completo de chavinhas de parafuso de alta precisão, se quiser trocar uma simples pilha do brinquedo.

Que pilha, aliás? Existem inúmeros tipos no mercado. Não é preciso dizer que minhas chavinhas de parafuso não funcionam. São chinesas, como tudo. Recomendaram-me as alemãs. Cada Bakugan está custando cerca de R$ 70. As crianças não sabem direito o que fazer com eles. Supostamente, existe um jogo, com regras e cartões, a ser jogado com aquelas bolinhas. Mas elas querem o brinquedo mesmo sem saber como utilizá-lo.

Não as culpo: eu mesmo, na infância, colecionei bolinhas de gude pelo simples prazer de tê-las e de vê-las, sem nunca aprender as variações infinitas que há na atividade de disputá-las num chão de terra com os amigos que não tive.

Os Bakugans são desejados porque existe na TV um desenho animado japonês. No desenho, as bolinhas são armas poderosas para enfrentar os inimigos de sempre. Logo em seguida, somos bombardeados pela publicidade, que promete poderes inauditos à criança que comprar o brinquedo.

É diabólico. Mas é simbólico também. Será que as duas palavras têm raiz comum? Imagino que o símbolo unifique aquilo que o diabo divide.

Nesse sentido, o brinquedo é diabólico quando inferniza a vida dos pais. Mas é também simbólico quando representa, ao mesmo tempo, os desejos de uma criança e de um adulto. Daquela minúscula bolinha, pula um guerreiro poderoso. Natural que qualquer menino pequeno goste disso.

Aos pais, cabe o inglório esforço de voltar atrás, e reduzir o monstro, o dinossauro, o guerreiro, à condição de bolinha. Dá trabalho, e é contraditório. Temos de estimular, como se diz, o "desenvolvimento" e a "auto-estima" da criança. Temos igualmente de reprimi-la, alertando sobre o que ela pode e o que ela não pode.

A televisão projeta sucessos impossíveis na cabeça do menino. Os pais se encarregam de reduzi-lo à condição de criança. O brinquedo é o meio termo, dispendioso e simbólico, entre uma coisa e outra. Natural que a criança logo se desinteresse dele; e que os pais odeiem o objeto que foram forçados a comprar.

coelhofsp@uol.com.br

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