quarta-feira, 17 de junho de 2009



17 de junho de 2009
N° 16003 - JOSÉ PEDRO GOULART


Os olhos do Buñuel

No meu último texto por aqui, escrevi sobre questões ligadas à liberdade de expressão versus direitos autorais. Em resumo, disse que a internet – com sua impossibilidade prática de proibir alguma coisa – acabou rompendo com as espessas e históricas teias que sustentavam o totalitarismo artístico, essa aranha em forma de propriedade, direitos, posse. Enfim, deixei meu manifesto pela livre liberdade de expressão.

Recebi um número acima da média de correspondência. Dos que me questionaram, a maioria reclamou do seguinte: como então viverá o autor das obras? O sujeito compõe uma música, por exemplo, e não deve receber dinheiro se ela for utilizada em um outro lugar?
O Eron Duarte Fagundes, um dos que me escreveu, responde: “Faz alguns anos está na minha cabeça esta ideia radical: sou contra o direito autoral de natureza financeira; o único direito autoral que aceito é o seguinte: se eu escrever um livro, fizer um filme ou compor uma música, que meu nome apareça como autor.

Por isso, os download da internet (de livros, filmes ou músicas) me parecem um avanço. Para mim, arte é de domínio público. Sei que isto vai contra os interesses de quem vive de arte, ou seja, para quem usa a arte também como indústria.

Mas neste aspecto, estou mais com o escritor argentino Ernesto Sabato, que escreveu em O Escritor e seus Fantasmas: se queres ganhar dinheiro, não usa a literatura; vai ser bancário, escriturário, faxineiro, qualquer outra coisa (político?), mas não abastarda a literatura (ou o cinema ou a música). Sei, é uma utopia: mas, pelo visto, a utopia veio com a internet.”

Arte, eis a questão. O Eron fala em utopia. De fato, sempre pensei na impossibilidade da arte completamente desprendida – nada a ganhar exceto o prazer da alma. Radicalizando, talvez uma arte verdadeira nem poderia ser mostrada. Funcionaria como uma manifestação do ser para o ser. Algo muito perto (senão junto) da loucura.

Entretanto, aquilo que chamamos de arte, na verdade é uma manifestação criativa, traduzida numa certa linguagem, visando lucro ou autopromoção. (O Buñuel dizia que fazia filmes porque não tinha olhos azuis...)

A necessidade da obtenção do lucro, ou dessa promoção, acaba direcionando a tal manifestação criativa – isso é sabido e consentido – muito mais do que aquele desejo original.

Para existir assim, o artista dependeu e depende do mecenato. Ou de um sistema comercial de compra e venda. Em ambos os casos, teve que se submeter a um cliente; ou quem paga, ou quem encomenda.

Sem o mecenato não existiriam as pinturas no teto da Capela Sistina, nem o Glauber Rocha gritaria por uma Estética da Fome. Acontece que as razões de um sistema de mercado são incontroláveis, daí o caráter subversivo da internet. E subversão é fundamento do artista.

A vida não é nada sem os que cantam, ou pintam, ou escrevem, ou filmam, ou se unem em representações, ou dançam; em especial aqueles que fazem por singela vontade ou por modesta necessidade da alma; ou porque não têm olhos azuis.

Nenhum comentário: