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segunda-feira, 29 de junho de 2009
29 de junho de 2009
N° 16015 - SERGIO FARACO
Os dragões não envelhecem
Atendia por Batata um personagem das ruas de Alegrete e também de suas marquises, sob cuja proteção, enquanto não vinha alguém escorraçá-lo, ele costumava repousar com seus sacos de mistérios.
Batata nasceu em 1934, no dia 19 de janeiro. Ele mesmo me deu essa informação quando estive na cidade, nos anos 90, e, vendo-o numa esquina, recostado nos sacos, reclamei de sua aparência: se em meu tempo de menino ele já debulhava pata naquelas velhas ruas – do Hospital de Caridade ao Povo da Lata, da Ponte Seca ao Armazém da Portuguesa –, como podia sua cabeleira conservar o preto original? Batata sorriu e quanta zombaria naqueles olhos de águia.
Como se dissesse: “E é a mim que chamam de Batata...”.
Milagre, lembrou-se de mim, ou, mais certo, fingiu que se lembrava, e comentou que eu andava “sumido”. Quis saber se eu ficaria em Alegrete e quando respondi que não, que logo iria embora, fez uma careta: “Pena! Não vai estar aqui no dia do meu aniversário”.
Pena mesmo, e aquele dia chegou sem que ninguém abraçasse o Batata, única instituição alegretense que permanecia em pé (sentada, no caso), impondo-se ao onívoro dragão que o poeta Hélio Ricciardi chamou de Já-Teve.
Não tinha mudado nada, ou melhor, se não na figura, mudara em outro sentido: carregava mais sacos do que antes. Era uma evidência de prosperidade e tenho dúvidas de que se possa dizer o mesmo da cidade que o desprezava.
Se bem que o Batata, esse Dorian Gray do Ibirapuitã, podia ser a encarnação do Já-Teve: também os dragões não envelhecem. Quem garante que não estivesse a acumular em sua suspeita sacaria toda a riqueza que, ano a ano, a cidade vem perdendo – sua lavoura, seu comércio, seus pecuaríssimos negócios –, e até mesmo sua população?
É uma teoria.
Se confirmada, imagine-se como poderá ser a nossa Londres do Futuro, no fim do século. Um lugarejo deserto e o vento assobiando nas varandas, a carregar folhas secas pelas ruas e fazendo vibrar as últimas vidraças, atrás das quais vinga uma vegetação mirrada e sem nome. De vez em quando um estrondo: uma porta que cai.
De vez em quando um rangido: a tesoura de um telhado que vai cair também. Nem uma alma. Nem um cão vadio. Nem um corvo. Nem mesmo um rato.
E de repente, no fim da rua, contra um horizonte onde se fundem o céu de chumbo e a terra gris, recorta-se a silhueta do dragão – o velho mendigo com sua eterna juventude e já sem sacos, porque, afinal, ele é o dono de tudo.
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