sábado, 20 de junho de 2009



21 de junho de 2009
N° 16007 - DAVID COIMBRA


Eles sabem o que fazem

Acho que foi na primeira vez em que os Beatles e os Rolling Stones se encontraram, deve ter sido. Os Stones mal começavam sua carreira eterna, eram fãs dos Beatles, estavam encantados em conhecê-los.

Aí Paul MacCartney e John Lennon decidiram homenageá-los. Avisaram que iam fazer uma musiquinha para seus novos amigos. E foram para um canto, levando uma folha de papel e uma caneta, e começaram a escrever.

Mick Jaegger e Keith Richards olharam, espantados. Um deles comentou:

– My God! Olha ali! I don’t believe! Eles estão fazendo uma música neste momento! Agora mesmo! E nós estamos testemunhando tudo!

Compreensível a admiração: eles assistiam ao momento sagrado da criação dos Beatles, e tudo era tão simples...

Isso na Velha Álbion. Por aqui, no lado de baixo do Equador, onde aliás não existe pecado, sucedeu o seguinte: Chico Buarque, Tom Jobim et caterva estavam numa festa na casa do Francis Hime, bebendo uísque. Era uma época de uísque na vida de Chico, Tom e Vinícius.

Mais tarde, Chico trocaria os destilados pelos fermentados, aderiu à cerveja para continuar vestindo a 9 do Politeama, o time de futebol sete dele. Politeama, por sinal, significa o seguinte, em bom grego: poli é igual a muitos; theama é igual a espetáculo. “Muitos espetáculos”, o nome do time.

Mas voltando à festa da turma: Francis Hime sentou-se ao piano e foi tirando uma melodia. Chico, parado ao lado, de pé, com um copo numa mão e uma Bic na outra, ouvia e escrevia a letra da música. Fácil assim, ouvindo e escrevendo. Só que, no meio da letra, o uísque acabou. Chico largou a caneta. Sem uísque, sem festa; sem festa, sem música. Foi-se embora e deixou a letra inacabada.

Francis Hime ficou com aquele pedaço de letra. Vez em quando, ligava para o Chico, pedia que ele concluísse a música. O Chico, nada. Preguiça, sabe como é. O tempo foi passando. Meses, anos, e a música na gaveta do Francis Hime. Um dia, Francis Hime decidiu tomar uma atitude: pediu para uma certa cantora gravar aquele naco de música e enviou a fita ao Chico, para ver se ele se animava a completá-la. O Chico ouviu a gravação:

Quando olhaste bem nos olhos meus E o teu olhar era de adeus

Juro que não acreditei, eu te estranhei Me debrucei sobre teu corpo e duvidei E me arrastei e te arranhei E me agarrei nos teus cabelos

Nos teus pelos, teu pijama Nos teus pés, aos pés da cama...Cara, era “Atrás da Porta”, e a voz era da Elis.

Elis sempre cantava com alma, mas essa música em especial parecia vir direto de suas entranhas, do seu pâncreas, da sua vesícula, ela chorava em meio à poesia. O Chico, ouvindo-a, obviamente se emocionou. Finalizou a canção. Com a facilidade habitual, como se estivesse ao lado do piano do Francis Hime, exatamente como Lennon & MacCartney quando foram compor para os Stones.

Por quê? Porque, para quem sabe, tudo é simples. Quem não sabe, olha e diz: – É fácil!

Afinal, a música, o texto, o quadro, a escultura ou o gol são construídos com gestos econômicos, sem muito dispêndio de energia, quase que casualmente.

O Zé Pedro Goulart, que não é centroavante, disse, depois do jogo de quarta, que Ronaldo foi lento ao marcar o gol no Inter. Aí é que está: Ronaldo pareceu lento.

Porque teve tanta capacidade para se livrar da marcação do Índio que lhe sobrou tempo para enquadrar o corpo e bater a gol da forma que mais lhe apeteceu. Ronaldo é como um Chico Buarque, é um Beatle da grande área. Simplifica tudo. E o genial é simples.

Mas agora, no dia 1º, o Inter também terá em campo alguém que sabe o que faz. Nilmar. Se Ronaldo é imbatível no logro do zagueiro e na conclusão indefensável, ninguém hoje, no Brasil, chega à bola antes de Nilmar.

Não é à toa que Inter e Corinthians estão na final. Eles têm centroavantes. E mais importante: centroavantes que sabem o que fazem.

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