Aqui voces encontrarão muitas figuras construídas em Fireworks, Flash MX, Swift 3D e outros aplicativos. Encontrarão, também, muitas crônicas de jornais diários, como as do Veríssimo, Martha Medeiros, Paulo Coelho, e de revistas semanais, como as da Veja, Isto É e Época. Espero que ele seja útil a você de alguma maneira, pois esta é uma das razões fundamentais dele existir.
terça-feira, 30 de junho de 2009
30 de junho de 2009
N° 16016 - CLÁUDIO MORENO
Almas errantes
O homem antigo acreditava que o corpo e a alma eram entidades distintas, e que a função do primeiro era apenas servir de morada para a segunda. Embora não concorde com essa velha divisão – para mim, são coisas inseparáveis –, tenho de admitir que é uma bela metáfora, pois a estrutura de nosso corpo é mesmo muito semelhante à de uma casa: a alvenaria da carne é suportada pelas vigas dos ossos e pela tensão dos tendões, enquanto a coluna vertebral é o pilar que faz o peso do conjunto apoiar-se no alicerce dos pés.
A pele é a cobertura externa; na cabeça, o teto, o sótão e o telhado. No centro da casa, no fogo ancestral da lareira, o coração. É nesse interior protegido que a alma vive e respira.
Nessa casa de nove portas, qual delas servirá para que a alma possa sair? O homem primitivo acreditava numa saída especial, secreta, uma abertura imperceptível no alto do crânio – a décima porta, que ligaria o mundo interior ao mundo cósmico.
Na casa, seria a chaminé, por onde o sopro da alma podia subir livre aos céus para visitar lugares remotos, voltando depois mais sábia e mais instruída. Há dezenas de relatos dessas viagens, todas elas, como seria de esperar, ocorridas quando o corpo estava prostrado pelo sono, por doença ou pela bebida.
Plínio nos conta o curioso destino de Hermotimo de Clazomene, que costumava deixar o corpo por vários dias e só voltava depois de ter visto coisas desconhecidas e conversado com pessoas a uma grande distância dali. Certa feita, por traição de sua mulher, seu corpo foi entregue a inimigos, que simularam um funeral e o cremaram dentro dos ritos de costume.
Quando sua alma voltou, era tarde demais, pois tinha perdido para sempre o seu invólucro; para abrigá-la, os cidadãos de Clazomene, condoídos, construíram-lhe um templo em que mulher alguma podia pisar, para punir a memória de sua pérfida esposa.
Infeliz é aquela alma, no entanto, que se debate dentro de um corpo errado. Ao se contemplar no espelho – afinal, os olhos não são as janelas da alma? –, não reconhece aquele rosto que também a examina. Aquele corpo não nasceu junto com ela, não cresceu junto com ela, e por isso ela sente como se a tivessem instalado na casa de outra pessoa.
O que devia ser um lar passa a ser uma prisão, insuportável e vazia. Se ela tiver o talento de Michael Jackson, vai lutar com todas as forças para encontrar, um dia, o corpo que imagina ser o seu – vai tentar se aproximar, a cada nova cirurgia, daquela imagem sonhada que vai perseguir até a morte – pobre almazinha errante, perdida no exílio da existência.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário