quarta-feira, 17 de junho de 2009



17 de junho de 2009
N° 16003 - DAVID COIMBRA


Coisas sobre goleiros escritores

O Carlos Moreira, tem duas coisas sobre o Carlos Moreira: ele está sempre lendo e ele pega no gol. No joguinho do nosso time aqui da Zero, enquanto atacamos, o Carlos Moreira aproveita para encostar o ombro na trave e consumir um parágrafo do livro do dia.

Quando o adversário retoma a bola, ele fecha o livro, tendo o cuidado de acomodar o marcador entre as páginas nas quais cessou a leitura, deposita o volume com carinho ao pé da trave, e se posiciona no meio do gol, os braços abertos, atento feito um dobermann de pátio de fábrica.

Alguém pode achar que essa atitude significa que o Carlos Moreira pouco liga se perder o jogo. Errado. A cada gol tomado, ele se desespera, atira-se ao chão e soca a grama da grande área com as duas mãos, ou bate com a testa no poste, e grita palavrão, e xinga a zaga e as injustiças do mundo.

O Carlos Moreira é sempre arrebatado desse jeito, dentro e fora das quatro linhas. Impossível não notá-lo, sobretudo no inverno, época em que o Carlos Moreira gosta de meter os longos cabelos em caracol debaixo de um chapéu preto e o corpanzil de lutador de judô dentro de uma capa esvoaçante. Faz uma figura e tanto assim vestido, ainda mais que passa cantando em inglês pelos corredores da Redação.

Goleiro é um tipo singular mesmo. Sobretudo os nossos goleiros. O outro, o Chico Izidro, ele já foi gordo. Um negro de metro e noventa de altura e 120 quilos de peso, que, ao abrir os braços, tapava a goleira de trave a trave. Bom. Um dia, o Chico foi abandonado pela namorada. Deprimiu-se. Começou a emagrecer.

Perdeu 48 quilos de tristeza. Mas não abandonou o time. Ia ao joguinho em meio a suspiros. De repente, a folhas tantas do primeiro tempo, começava a chorar. A bola rolando rápida no grande círculo e as lágrimas lhe desabando rosto abaixo, molhando a risca do gol. Numa dessas, um adversário insensível chutava lá do meio do campo e a bola entrava.

O Chico imóvel debaixo do travessão e a bola passando ao lado, a um braço de distância. Nós olhávamos para ele, irritados, mas ninguém reclamava. Como censurar um goleiro que joga chorando? Não, não, ninguém o repreendia. O nosso time é um time que compreende as agruras da paixão.

O Chico Izidro, por conta de todo esse sofrimento, escreveu um livro e o publicou: “Como ser imaturo e perder um grande amor”. Uma espécie de autoajuda ao reverso, como se vê pelo título.

Agora, talvez não por coincidência, o Carlos Moreira também está lançando um livro. Mas, no caso do Carlos Moreira, não se trata de um desabafo, não é o relato dolorido de uma experiência pessoal. Não. É uma tentativa de construir ficção profissional. Aliás, bem-sucedida.

“Tudo o que fizemos”, esse o título da novela escrita pelo Carlos Moreira, é uma trama bem urdida, com níveis de tensão distribuídos de forma equilibrada da primeira à última de suas 256 páginas. E o principal, o realmente importante para um devorador de livros como o Carlos Moreira: tudo em estilo escorreito e aprazível. A novela do nosso bravo goleiro foi escrita num ritmo agradável e fluente, que captura o leitor já na saída de bola. Como todo livro do gênero, nele podem ser reconhecidos traços do autor.

O que é positivo – escreve-se melhor ao se escrever sobre o que se conhece. Mas, ao contrário do que poderia supor quem convive com o Carlos Moreira, não há exagero na história, nem nos personagens, nem na forma como eles são tratados. A medida que o Carlos Moreira emprega em Tudo o que fizemos é precisa e reta. Comedida, até. Como ele não é. Como goleiros não costumam ser.

Mais duas coisas sobre o Carlos Moreira.

Coisa número 1: foi para o Carlos Moreira quem eu disse, tempos atrás, enquanto almoçávamos no refeitório do jornal:

– O teu problema, Carlos Moreira, é que tu comes embutidos demais. Sobretudo morcilha.

Ele, enchendo a boca de arroz:

– Eu não gosto de morcilha.

Eu:

– Claro que gosta. Todo mundo sabe que tu adora morcilha.

Ele:

– Não é verdade. Eu detesto morcilha.

Eu, olhando para os outros:

– Pessoal, o Carlos Moreira não é um cara que adora morcilha.

A turma:

– É, se tem alguém que gosta de morcilha é o Carlos Moreira.

Ele: – Eu não gosto de morcilha!

Nós todos: – Gosta! Gosta! Ama morcilha! Ninguém nunca gostou mais de morcilha do que tu!

– Não gosto! – Gosta! – Não gosto!!! – Gosta!!!

Ao que o Carlos Moreira levantou de um salto, empurrou o prato ainda cheio para o meio da mesa e se foi embora, esbravejando pelo refeitório:

– Eu odeio morcilha! Eu odeio morcilha! Coisa número 2:

O lançamento do livro do Carlos Moreira é amanhã, dia 18, a partir das 19h, na Livraria Nobel do Shopping Total.

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