segunda-feira, 15 de junho de 2009



15 de junho de 2009
N° 16001 - LUIS FERNANDO VERISSIMO


O raiar da nossa obsolescência

Já contei que fui cobrir minha primeira Copa do Mundo em 1986, no México. Aquela em que a França nos eliminou nos pênaltis. Fui como correspondente da revista Playboy, o que me valeu dois problemas:

1) explicar para quem olhava o meu crachá o que, exatamente, um correspondente da Playboy fazia numa Copa do Mundo, onde sexo e mulheres nuas sem dúvida faziam parte, mas não eram o assunto principal, e

2) como escrever para uma revista mensal sobre um evento que ia se redefinindo quase que dia a dia, obrigado a ter a matéria pronta antes de saber como o evento acabava.

Não consegui convencer ninguém de que a Playboy não é só sexo e mulheres e que eu estava lá para ver futebol com todo o respeito, e tive que fazer uma ginástica estilística para que a matéria da revista tivesse ao menos algum mérito literário, já que não teria nenhum como reportagem.

Isso depois de resistir à tentação, que seria desastrosa, de adivinhar o resultado – uma final, claro, com a presença do Brasil – e reportá-lo como acontecido.

No fim, a matéria falava mais sobre o México do que sobre futebol, mais sobre astecas e melecas e os murais do Orozco em Guadalajara do que sobre Zico, Platini e Maradona. Ou sobre sexo e mulheres nuas.

Lembro como tínhamos inveja dos jornalistas europeus e americanos, que já então usavam laptops, ou coisa parecida, enquanto nós estávamos condenados a perfurar fitas de telex e esperar vagas em barulhentos aparelhos medievais para transmiti-las.

Eu também, pois além da matéria única para a Playboy fazia colunas diárias para jornais no Brasil. Enquanto nosso futebol era derrotado em campo, nossa imprensa era humilhada pela tecnologia adversária. Em técnica jornalística, os cinturas-duras éramos nós.

Na Copa seguinte, no entanto, em Roma, já estávamos empatando. E na última Copa ninguém nos humilhou – pelo menos fora de campo. O vexame na Alemanha teve cobertura tecnicamente perfeita da imprensa brasileira, igual à de qualquer superdesenvolvido.

Entramos na zona VIP do silêncio, e hoje só ouvimos o martelar dos aparelhos de telex em pesadelos. Não tenho a menor ideia de como funciona o uai-fai, nem a menor ideia de como consegui viver por tanto tempo sem ele.

Mas mal sabíamos nós que, ao ver aqueles primeiros computadores portáteis no México, estávamos vendo o raiar da nossa obsolescência. O que era para ser instrumento do jornalismo impresso está substituindo o jornalismo impresso. As maiores empresas jornalísticas do mundo sentem a competição da internet e de outros derivados daquelas máquinas primitivas e contemplam um futuro sem papel, ou a morte.

A notícia do futuro irá da máquina para a máquina, sem necessidade do jornal como nós o conhecemos, e amamos. Talvez já na Copa de 14.

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