quarta-feira, 17 de junho de 2009


JOÃO SAMPAIO

Minha terra, minha vida!

A saga da origem e do desenvolvimento de nossa agropecuária não é um elemento vivo no inconsciente coletivo

APESAR DOS obstáculos à sua competitividade, como a ausência de uma política pública eficaz, os juros altos, a falta de crédito, a carência de infraestrutura, as invasões descabidas de propriedades e a insegurança jurídica, o setor rural tornou-se chave para o desenvolvimento brasileiro neste século.

Nossas melhores perspectivas de ascender ao Primeiro Mundo estão na capacidade de fornecer alimentos e atender à demanda de combustíveis renováveis e menos poluentes.

Ou seja, o Brasil é a referência global da sustentabilidade, privilégio econômico que brota no seu solo fértil, iluminado pelo sol perene e fecundado pelo estoicismo e pela capacidade de trabalho dos homens do campo.

A relação dos brasileiros com a terra, desde o início da produção rural pós-descobrimento, foi o motor do país, em ciclos econômicos marcantes para o crescimento -como os da cana-de-açúcar, borracha e café- e é consistente alicerce do presente e fiadora do futuro.

Essa história de amor, fé e coragem começou no século 16, com as 14 capitanias hereditárias estabelecidas pela coroa portuguesa. Dedicadas à cultura da cana, herança da experiência de seu cultivo na ilha da Madeira, nos Açores, eram posses dos chamados donatários e de suas famílias.

O sistema de hereditariedade, iniciado em 1534, foi extinto pelo Marquês de Pombal, em 1759.

Porém, manteve-se o processo de concessão por parte do Estado. Com a independência, em 1822, esse modelo acabou e as áreas ficaram disponíveis aos que tivessem coragem para desbravá-las, torná-las produtivas. Com a proclamação da República, em 1889, transferiram-se aos Estados as terras devolutas e se organizou melhor o direito à propriedade.

Aos poucos, chegaram os imigrantes europeus, que marcharam para o Sul e Sudeste, e os japoneses, sobretudo no Paraná e em São Paulo. Movimentos migratórios internos contribuíram para expandir a fronteira agrícola no Norte e Nordeste.

Hoje, quem vê a bela paisagem rural brasileira, com as mais distintas culturas, uma produção organizada e uma estrutura empresarial, não imagina o que foi o esforço dos primeiros colonos, seus descendentes e aqueles que se aventuraram à busca de um pedaço de chão para viver.

Imaginem um Brasil virgem, sem energia, estradas, equipamentos e comunicação. Somente pessoas determinadas para o trabalho poderiam, movidas por inabalável crença no milagre da terra, enfrentar o desafio da agricultura nas mais adversas condições, abrindo lavouras à força de um facão e diante dos riscos das perigosas florestas tropicais.

A saga da origem e do desenvolvimento de nossa agropecuária não é um elemento vivo no inconsciente coletivo. A cultura de massa brasileira, infelizmente, tem mais registros do velho oeste dos Estados Unidos, imortalizado por Hollywood, do que da nossa própria história fundiária.

Temos uma dívida cultural, um lapso na memória do país, dificultando uma análise mais isenta e justa da luta, dedicação e importância dos pioneiros no trabalho na terra.
É fácil criticar nossa estrutura fundiária e a existência de grandes propriedades.

Porém, não haveria outro modo de desbravar, desenvolver e existir um sistema rural neste território continente. Também não se pode ignorar o significado da agropecuária para a economia e a legitimidade das atuais propriedades produtivas.

É óbvio que a multiplicação da agricultura familiar, com o assentamento organizado e a garantia de posse da terra àqueles dispostos a trabalhar, é um dos grandes desafios brasileiros.

Tal política pública seria decisiva para tornar ainda mais eficaz a produção agropecuária, dada a importância das pequenas propriedades para a cultura de alimentos.
O Brasil tem áreas suficientes para uma verdadeira e cada vez mais premente democratização do acesso à terra. Basta vontade política!

Assim, não se justificam invasões de propriedades legítimas e produtivas e são intoleráveis as cenas de violência protagonizadas por alguns movimentos ditos defensores do direito à terra.

O governo federal não pode seguir omisso ante atitudes truculentas nem no tocante à urgência de novas e eficientes ações que possibilitem o acesso à terra a milhares de famílias. Sua passividade significa o descumprimento de uma de suas mais enfáticas promessas eleitorais.

Precisamos de um abrangente programa para a agropecuária. Aos verdadeiros homens do campo, independentemente do tamanho de suas propriedades, basta a terra para gerar a vida!

JOÃO SAMPAIO, economista e empresário do setor agrícola, é o secretário de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo e presidente do Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável (Consea).

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