sábado, 13 de junho de 2009


Ivan Martins

Viver sem mulheres

É possível, mas com enorme perda de alegria

Um mundo sem mulheres seria um lugar inóspito. Percebo isso toda vez que assisto a um documentário sobre países muçulmanos. Aquelas multidões de homens, apenas homens -- nas ruas, nos cafés, nos estádios-- me dão sensação de asfixia.

Como os sujeitos aguentam a aridez desse convívio exclusivamente masculino? Como prescindem no dia-a-dia do entusiasmo, da percepção e do charme das mulheres? Como conseguem viver nesse apartheid?

A nossa própria sociedade tem um sentimento secreto desse tipo. É o do clube de homens. Ele aparece nos lugares comuns que opõem a alegria do bando de machos à vigilância de mulheres mal humoradas. É a turma do futebol, a turma do bar, a turma da escola e do trabalho. Contra ela se opõe a rabugice da mãe, da namorada, da mulher. A rádio patroa, enfim. Tem aí certa nostalgia da adolescência, quando todos os garotos andavam grudados e não pegavam ninguém.

Alguém pode ter a impressão, ouvindo essas bravatas, que os homens seriam felizes se pudessem estar entre eles o tempo todo, sem que as mulheres torrassem a paciência. Nada mais enganoso. Tire de cena a mulher e o sujeito perde a vontade de ir ao bar e jogar bola. É gostoso falar mal do que se tem.

Outro dia vi em casa um filme francês - Em Paris, de Cristophe Honoré - que fala do mundo dos homens de um jeito mais interessante. O filme mostra uma casa com três homens, dois irmãos adultos e o pai, vivendo um momento de crise: um dos rapazes rompeu o casamento e está mergulhado em depressão. O irmão e o pai tentam ajudá-lo, cada um a sua maneira.

Além de bom - do jeito lendo e falado da escola de cinema francesa - o filme me causou um estranhamento que eu só consegui entender depois: nele não há mulheres, ao menos nos papéis tradicionais. Em Paris é um filme misógino, que apresenta as mulheres como criaturas desnecessárias ou nocivas.

O irmão em depressão tinha uma mulher atormentada. Ela o acusa de desamor, depois recusa o amor dele, brigam e se embriagam até que o sujeito se vai, despedaçado. É a mulher nociva.

O outro irmão é um Don Juan. Seduz todas as mulheres, transa com várias delas por dia e retorna ao aconchego da casa do pai. Ele apresenta as mulheres descartáveis, desnecessárias.

A figura mais assombrosa do filme é a mãe. Uma mulher bonita que passa pelo apartamento como cometa. Faz uma rápida visita ao filho abatido, briga com o ex-marido e se vai, cuidar da própria vida. É a mulher ausente, egoísta, oposto da mãe amorosa e dedicada.

Quem alimenta, protege, cura e tolera é o pai. Um homem rude e melancólico, sempre de cigarro na boca, ele parece carregar o mundo nas costas, da forma como as mulheres costumam fazer. É comovente ver na tela esse pai duro sendo moído pela dor do filho que ele não consegue consolar. A mesma dor de abandono que ele mesmo já sofrera.

Há uma beleza estranha nesse ninho sem fêmea, nessa solidariedade de sangue, masculina e viril. Honoré parece nos dizer que os homens podem viver sem as mulheres, mas que uma casa sem elas é um lugar escuro e invernal, como o apartamento do filme.

Em Paris reforçou minha percepção de que as mulheres são uma forma de luz na nossa sociedade. Delas emana alegria e generosidade essenciais. Essa é a luz que falta nas ruas do mundo muçulmano dos documentários. A luz que vem de metade da humanidade.

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