sábado, 20 de junho de 2009



20 de junho de 2009
N° 16006 - MOACYR SCLIAR


A arte da fuga

As situações de estresse são extremamente comuns em nossa época, como mostra a pesquisa de Ana Maria Rossi.

E a pergunta se impõe: o que fazer a respeito? Para respondê-la, é preciso notar, em primeiro lugar, que o estresse não afeta só a espécie humana. Os animais também passam por isso na luta diária pela sobrevivência.

E reagem às ameaças de um forma muito simples, com uma resposta binária: a luta ou fuga (fight-or-flight, na expressão em inglês, que envolve um engenhoso trocadilho – expressão esta proposta pelo fisiólogo Walter Cannon em 1915). A zebra que, numa savana africana, avista um leão, não hesita em dar no pé, sob pena de transformar-se em refeição para os carnívoros. Ou seja: luta ou fuga para os animais é uma escolha simples.

Não para os sere humanos. Fuga, para nós, é sinônimo de covardia. Somos ensinados, desde a infância, a, diante de uma ameaça, cerrar os dentes e os punhos e prepararmo-nos para o combate. Que, muitas vezes, se acompanha de uma derrota.

Fugir nada tem de vergonhoso. O leão não foge da zebra, nem do tigre, mas diante de uma tempestade ameaçadora o rei dos animais vai se abrigar numa caverna qualquer. Os bichos fazem isso instintivamente, mas no caso dos seres humanos a decisão envolve uma arte: a arte da fuga, diríamos, parodiando o título da famosa peça musical de Bach. Para começar, é melhor falar em retirada estratégica, em tirar o time de campo, do que usar a palavra fuga.

Em segundo lugar, é preciso saber como fazê-lo. O senador gaúcho Pinheiro Machado (antepassado do grande Ivan, da Editora L&PM), deu a receita. Diante de uma multidão enfurecida que, no centro do Rio de Janeiro, bloqueava a passagem de seu tílburi, disse ao cocheiro: “Siga, mas não tão depressa que pareça fuga, nem tão devagar que pareça provocação”.

Às vezes a fuga se traduz no apelo ao álcool, às drogas, coisas que levam ao isolamento, um agravante do estresse. É por isso que atualmente reforça-se o papel do convívio social como antídoto para o estresse. Está estressado? Não fique só. Procure a família, os amigos.

Use as modernas redes de comunicação, criadas (ou reforçadas) pelo celular, pela internet. Pesquisas feitas nos Estados Unidos mostram que este simples e acessível recurso diminui em muito os agravos do estresse. À arte da fuga podemos acrescentar a arte do convívio – e assim minimizar os problemas causados pelo estresse.

Faleceu em Londres o médico, antropólogo e escritor Cecil Helman, autor do magistral Cultura, Saúde e Doença, aqui lançado pela Editora Artes Médicas. O dr. Helman tinha muitos amigos no Rio Grande do Sul, e aqui esteve várias vezes para palestras e cursos. Um original pensador da medicina, e um belo ser humano.

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