quarta-feira, 24 de junho de 2009



24 de junho de 2009
N° 16010 - DIANA CORSO


Zumbis

Vivendo um momento interessante de sua carreira, um amigo recebia os cumprimentos depois do fim duma atividade. Percebi seu olhar inquieto, abreviando as conversas, sendo sucintamente gentil. Tinha pressa.

Queria comemorar de outro jeito: fumando. Compreendo perfeitamente, fui fumante por duas décadas. Como esse hábito ridículo de sufocar-se pode substituir um maior, um momento de reconhecimento e glória?

É o tabagismo, primo pobre da mesma família à qual pertencem o álcool e as drogas. Destinos diferentes, o cigarro significa uma morte lenta e gradual, o álcool um prazer que leva os fracos à destruição, enquanto as drogas são muito mais perigosas, por quê?

Um drogado não precisa ter, como meu amigo, o que comemorar. Sua droga não é para depois, para realçar algo bom ou aplacar algo ruim, para dar-se um descanso, como o cigarro ou um vinho: ela substitui a vida. A toxicomania surge quando a vida resume-se a isso, a droga torna-se um objeto total, e seu prazer anula o sujeito.

Aqueles que encontram em seus “controláveis” vícios “um veneno antimonotonia”, como cantava Cazuza, tendem a ser condescendentes com a droga, uma espécie de solidariedade inconsciente. Ela exerce fascínio sobre todos, afinal, a vida fica simples como a morte: acabaram-se os problemas.

O drogado nada quer, só seu objeto de gozo, nada mais lhe importa. A droga reduz o circuito da vida a quase zero, menos que um bebê de peito, pois este quer também o olhar materno, sua voz, seu colo. Até um recém-nascido quer mais da vida do que um toxicômano.

Para todos os pais é angustiante entender do que está precisando seu filho a cada momento, mesmo porque muitas vezes ele necessita é de que se dê menos e não mais.

Quando um bebê sente mal-estar ele chora, e sua tendência, assim como a de sua mãe, é colocar o peito no lugar desse sofrimento, o que em geral funciona, nem que seja por instantes. A droga é como essa fantasia do bebê em relação ao peito: fuma-se, cheira-se, injeta-se um prazer, o qual de imediato suprime a própria vida e principalmente seus buracos.

Uma família que enfrenta um filho tão limitado, que vive para esse objeto total que é a droga, sente-se na posição da mãe do bebê que lhe negasse o peito, por isso muitas demoram a reagir, a dizer não.

A toxicomania nos coloca frente a impasses existenciais difíceis de enfrentar. Quem se droga não pensa mais, é como um zumbi. A vantagem da campanha Crack, Nem Pensar, do Grupo RBS, é que ela nos obriga a pensar sobre isso.

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