sábado, 20 de junho de 2009



20 de junho de 2009 | N° 16006
PAULO SANT’ANA


Abandono

Aquela pessoa a quem mais amo, estranhamente, é a que mais me odeia.

Por que ela se recusa a vir ver o ritual solene do meu definhamento? Por que não me estende a mão de seu socorro?

Por que me fere com sua distância e aguça a minha dor com seu silêncio?

Se algum crime cometi, eis-me a declarar que sou culpado, mas não mereço a pena máxima do seu abandono.

Melhor seria então que eu me fosse e lhe deixasse por isso imersa no remorso.

Já paguei demais pelo seu rancor. Já perdi demais, quase tudo, pelo seu desprezo.

Inútil prosseguir sem o seu perdão. A maldade humana não tem limites, toda a capacidade dela se derrubou sobre mim.

Estou apenas à espera de que daqui a 15 dias ela me desfira o último golpe.

Toma, minha jugular é aqui, enterra bem fundo o aço frio do teu punhal, se só isto sacia o teu ódio indomável.

Amantíssima assassina da minha esperança.

Em face desse meu drama, me socorro nos versos providenciais do insuperável Augusto dos Anjos:

Como um fantasma que se refugia

Nas solidão da natureza morta, Por trás do ermos túmulos um dia

Eu fui refugiar-me à tua porta. Fazia frio e o frio que fazia

Não era esse que a carne nos conforta.

Era o mesmo frio que em carniçaria O aço das facas incisivas corta.

E tu não vieste ver minha desgraça. E eu saí como quem tudo repele, Velho caixão a carregar destroços,

Levando apenas na tumbal carcaça

O pergaminho singular da pele E o chocalho fatídico dos ossos.

Mudando de assunto, aterrado e aterrorizado com as centenas de milhares de escutas nos grampeamentos autorizados e nos não autorizados que circulam no Brasil, tenho o dever de consciência de declarar o que penso a respeito.

Declaro que sou contra todos os grampeamentos de telefones, até mesmo e principalmente os que servem de provas para comprovar delitos.

Porque entendo que todos os grampeamentos, autorizados ou não autorizados, ferem o intocável direito à privacidade inscrito sublimemente na Constituição.

Só admito um tipo de grampeamento, aquele que visa a salvar vidas, como no caso de sequestros em andamento.

Os demais grampeamentos, cumpro dizer mesmo que não tenha nenhuma importância o que digo para meu meio social, são um lixo espúrio da nossa realidade.

Ah, existe um outro, apenas outro grampeamento que consinto: o que possa servir ao amplo direito de defesa de um réu.

Aí, então, para o amplo direito de defesa, que se utilize o grampeamento.

Mas que jamais se o utilize para o restrito direito da acusação. Em nome da liberdade é que o afirmo.

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