terça-feira, 23 de junho de 2009



23 de junho de 2009
N° 16009 - LIBERATO VIEIRA DA CUNHA

O rastro da deusa

Razão quem tinha mesmo era Rubem Braga. “Porto Alegre” – escreveu ele – “é uma cidade que se diferencia das outras por uma rua que ela tem, onde a metade da população fica parada para ver a outra metade passar.” Nem é preciso dizer que ele se referia ao footing da Rua da Praia.

A penúltima revista Donna ZH dedicou a capa e seis páginas à que já foi a passarela da cidade e acertou fundo em minha nostalgia. Tenho uma memória profunda dos seres e das coisas – e isso inclui minha idade de três anos: um pedaço de gente caminhando por entre vitrines iluminadas de uma rua que parecia desconhecer a noite.

A reportagem de Patrícia Rocha, enriquecida pela arte de Edu, no entanto, vai muito além de minhas lembranças. A Rua da Praia é a própria identidade desta mui leal e valorosa – e isso não apenas pelo livro de Nilo Ruschel, como pelas anotações seculares de Saint-Hilaire ou pelas memórias de João Neves da Fontoura.

De qualquer modo, a conheci ainda em seu pleno esplendor. A meia quadra de minha casa, tomava o Bonde Duque, que me deixava na esquina da Casa Masson, na Marechal Floriano. A alguns metros, era o portal da Galeria Chaves, ainda à época – falo dos anos 1950 – dotada de um teto de vitrais. Um pouco adiante, ficava a Livraria do Globo, creio que a maior do país naquele tempo.

Esses eram apenas alguns dos pequenos milagres da principal das ruas da cidade. Havia mais, muito mais. Havia um comércio de luxo que, suponho, só encontrava rival em Montevidéu ou Buenos Aires. Havia uma quadra de cinemas. E havia as confeitarias, bem providas de champanhe e orquestras.

Hoje tudo mudou. Um calçadão deslocado, verdadeira piscina olímpica em dias de chuva, desbancou o delicado desenho do calçamento em granito azul e rosa. Onde antes os rapazes viam desfilar as raparigas em flor, há uma multidão apreensiva com o conteúdo de suas carteiras e de suas bolsas. Apagaram-se os anúncios em gás néon. Já não se houve falar no Baile do Perfume do Clube do Comércio. E os cinemas, ou desertaram, ou se refugiaram no shopping center, certamente o primeiro dos muitos que virão.

E não há sinal dela. Não sobrou rastro da deusa que um dia eu encontrei, com o coração na mão, no hall que parecia imenso da eterna Casa Krahe.

Uma ótima terça-feira, aproveite o dia.

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