sábado, 13 de junho de 2009



14 de junho de 2009
N° 16000 - MOACYR SCLIAR


O filme da crise

OTema não é completamente novo; nós já o vimos no filme Sr. e Sra. Smith, no qual Brad Pitt e Angelina Jolie interpretam um casal de matadores profissionais que, de repente, se veem obrigados a um mútuo confronto.

Em Duplicidade, do diretor Tony Gilroy, a dupla de atores não é menos charmosa: Julia Roberts e Clive Owen vivem respectivamente a ex-agente da CIA Claire Stenwick e o ex-agente do MI6 (serviço secreto inglês) Ray Koval.

Ambos deixaram a espionagem governamental para trabalhar na lucrativa espionagem universal, que, no caso, opõe duas gigantescas corporações rivais, ambas atuando no ramo dos cosméticos.

Temos, pois, duas narrativas paralelas: a primeira envolve a dupla de agentes, suas trapaças e seus conflitos amorosos, e, é claro, a que mais interessa ao público. Mas há uma outra dupla, vivida por dois atores não menos talentosos, Paul Giamatti e Tom Wilkinson: os presidentes das duas empresas: Howard Tully (Wilkinson), da Burkett & Randle, e Dick Garsik (Giamatti), da Equikrom. Não apenas competem, são inimigos mortais. De fato, o filme começa com os dois agredindo-se fisicamente numa grotesca e espetacular briga, travada diante dos respectivos jatinhos e dos alarmados assessores.

No filme, esta trama é secundária. Na vida real, e sobretudo na atual conjuntura, é de longe a mais importante. A relação entre corporações é mostrada com irônica e brutal franqueza. Tully e Garsik farão qualquer coisa para obter a liderança do mercado. Todos os recursos que, no passado, eram usados para espionar e sabotar o bloco comunista agora têm o seu lugar na briga empresarial.

E isso nos remete para a crise que vivemos. Crises são cíclicas na economia de mercado, mas esta tem componentes chocantes: através do noticiário, descobrimos que altos executivos (de bancos e de outras empresas) estavam ganhando fortunas fabulosas, colocando seus interesses pessoais, sua ganância, acima das próprias empresas.

A contribuição que esses trapaceiros deram para o atual e caótico quadro econômico ainda está por ser avaliada, e o filme é uma pequena contribuição neste sentido; mas não há dúvida de que a questão precisa ser urgentemente discutida, como é discutida a corrupção no setor público, seja no governo britânico, seja na política brasileira. Mesmo porque o problema não é de hoje.

Começou em 2001 com o escândalo da Enron, gigantesca corporação americana, que, através da manipulação de balanços financeiros e de outras fraudes, escondeu dívidas de US$ 25 bilhões; e chegou ao escândalo do financista Bernard Madoff, que, mediante esquemas de pirâmide lesou investidores num total de US$ 50 bilhões.

Essas lições estão sendo dolorosamente aprendidas, e filmes como Duplicidade dão uma contribuição, ainda que modesta, neste sentido. Vidas duplas sempre acabam em confusão, seja nas relações pessoais, seja no mundo dos negócios. Mesmo porque, mostra o filme, mentir dá muito trabalho. E é arriscado demais.

Comentando a crônica que aqui escrevi no último domingo, sobre a simbologia do amor, diz Lea Japur: “A diferença do amor e da paixão é que nesta há uma idealização dos personagens. No amor, não: sabe-se dos defeitos e estamos sempre buscando aceitá-los; reconhece-se as qualidade das quais sempre nos orgulhamos.

” Belo comentário, Lea. E agradeço as mensagens de Mauro Duarte, Maria Elisabeth Knopf, Ingrid Müller, Alberto Stein, Duilio de Ávila Berni e de Julio Hocsman, que fez uma comovida homenagem ao Dr. Roberto Chem, seu colega de turma médica.

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