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segunda-feira, 15 de junho de 2009
EDMUNDO A. DIAS
Cartórios brasileiros: por que não mudar?
O sistema cartorial brasileiro constitui, hoje, o mais expressivo exemplo do patrimonialismo que marca nosso país
O SISTEMA cartorial brasileiro constitui, hoje, o mais expressivo exemplo do patrimonialismo que marca nosso país. Basta ver que os tabeliães daqui são comumente tratados por "donos" de cartórios, que, no compasso da mesma metáfora, ressoam em suas placas e timbres os nomes pessoais dos seus titulares.
Ocorre que a atividade notarial e de registro consiste em um serviço público que o Estado delega à exploração em caráter privado.
Para remunerar-se, o particular delegatário recolhe emolumentos -que nada mais são que uma espécie de taxa- dos usuários do serviço.
Apenas parte disso é repassada ao Estado, pela função fiscalizatória que desempenha no setor. Em clara inversão de valores, o que cabe ao particular supera, em geral, algumas vezes o que é recolhido aos cofres públicos.
Como tal atividade é exercida em caráter privado, não tem incidência o teto remuneratório do serviço público. Também não tem aplicação a súmula vinculante do STF que veda o nepotismo. Assim, o constituinte de 87/88 acabou mantendo uma classe, a dos notários e registradores, com privilégios que nem sequer os agentes políticos tiveram a ousadia de prever expressamente para si mesmos.
Indaga-se, porém -sem fazer pouco do papel do tabelião, indispensável a que se confira certeza a determinados registros de interesse público-, qual dessas funções é mais importante (ou seja, pressuposto de existência das demais atribuições do Estado) para o desenvolvimento de um país.
Na última semana, o Conselho Nacional de Justiça editou duas resoluções que estabelecem regras para a realização de concursos públicos em cartórios, inclusive para os que, mesmo após a Constituição de 88, foram preenchidos à margem do procedimento impessoal nela determinado.
Na contramão disso, dois movimentos se articulam. O primeiro é para que os serviços notariais e de registro deixem de ser fiscalizados pelo Judiciário. O segundo é a tramitação de proposta de emenda constitucional, que em breve deve ser votada na Câmara dos Deputados, com o objetivo de efetivar nas funções os tabeliães que, à margem de concurso público, tenham-nas exercido entre 88 e 94.
Bem ao contrário do disposto na resolução 80 do CNJ, a citada PEC põe os notários e registradores no ponto de fuga de uma perspectiva privada que muitos lutam para banir da cena pública nacional. Nessa distorcida maneira de enxergar o mundo, tais cartorários não concursados, não podendo ser considerados donos de suas serventias, passam a assumir o sentido figurado de meros possuidores.
Assim, nada mais natural aos nossos patrimonialistas que possam esses tabeliães, pelo exercício de posse longa e pacífica, ter finalmente reconhecido seu domínio sobre as serventias extrajudiciais, mediante a invenção de nova espécie de usucapião que os efetive, enfim, em seus cartórios.
De acordo com dados que foram divulgados na página do CNJ na internet, somente em 2006 as serventias extrajudiciais arrecadaram no país mais de R$ 4 bilhões. Em 2005, a arrecadação global dos cartórios ultrapassou R$ 3,5 bilhões. Esses valores compreendem o faturamento das serventias privatizadas e das oficializadas.
Sustentamos que todos os cartórios deveriam ser oficiais, vertendo para os cofres públicos os importantes recursos que auferem. A PEC 356/04, apresentada na Câmara, tinha essa finalidade, mas foi devolvida ao autor por não contar com o número mínimo de assinaturas.
Bastaria que outra PEC fosse oferecida, acolhendo modelo cujo pressuposto é a existência de quadro de servidores remunerados em patamar condizente com a responsabilidade, mas distante das cifras milionárias de hoje. Recursos não faltariam.
Embora não estejam divulgados os dados de 2008, o faturamento dos cartórios do país, em 2006, seria suficiente para bancar toda a despesa prevista no Orçamento de 2009 relativamente à Câmara dos Deputados (R$ 3.532.811.091), ao Senado Federal (R$ 2.742.975.855), ao Ministério do Meio Ambiente (R$ 3.460.640.619) ou ao Ministério das Relações Exteriores (R$1.891.740.902).
Trata-se, como se vê, de reinventar nosso sistema cartorial, redesenhando-o com o traço firme das instituições republicanas.
A reinvenção do sistema, nos moldes sugeridos, apresenta óbvia dificuldade política. Haverá ainda, todavia, uma maneira simples de corrigir as distorções atuais na remuneração dos notários e registradores.
Basta que uma lei preveja o aumento do número de cartórios conforme uma equação que combine quantitativos populacionais e um mínimo de atos remunerados em cada serventia.
Assim, mais serventias extrajudiciais permitiriam uma mais equânime divisão do que é recolhido dos particulares, oferecendo-lhes uma melhor prestação do serviço, mais descentralizada e menos congestionada.
EDMUNDO ANTÔNIO DIAS NETTO JR. , 35, é procurador da República em Minas Gerais.
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