terça-feira, 16 de junho de 2009



16 de junho de 2009
N° 16002 - MOACYR SCLIAR


Aprendendo com a História

Estivemos no Rio no feriadão e, para ficarmos em dia com o cardápio cinematográfico (cinefilia é fogo), tivemos de ver, em rápida sucessão, três excelentes filmes:

Os Falsários, Desejo e Perigo deste artista que é Ang Lee e o clássico Lacombe Lucien, de Louis Malle, este dentro de uma retrospectiva homenageando o ano França-Brasil. Agora notem a coincidência: os três filmes têm como tema a II Guerra, os três filmes falam sobre um aspecto deprimente do conflito, o colaboracionismo.

Coincidência, eu disse? Talvez não seja tão coincidência assim. O fato é que, 60 e tantos depois de seu término, a II Guerra não sai da memória da humanidade. Por causa da barbárie, por causa da ferocidade; e, claro, por causa do Holocausto, um crime que, pelas proporções e pelo caráter de linha de montagem dado ao extermínio não pode ser esquecido.

Não é de admirar que em muitas cidades, sobretudo na Alemanha (país que faz questão de manter esta memória como lição definitiva), mas também nos Estados Unidos existam museus dedicados ao tema. Acho que o primeiro deles foi construído em Washington e lá estive algumas vezes. É uma experiência impressionante, que mexe com as pessoas. E mexe também com os neonazistas, ou com antigos nazistas.

Foi o caso do octogenário James Von Brunn que, na semana passada, invadiu o lugar, armado de um fuzil, e matou o guarda (negro) Stephen Johns. O filho dele, Erik, disse que isto correspondia ao arraigado fanatismo do pai, que no passado já cumprira pena por tentar sequestrar dirigentes do Federal Reserve americano (cabeça de nazista é uma coisa muito maluca).

Mais uma coincidência: na mesma semana em que isto acontecia, Mahmoud Ahmadinejad ganhou as eleições no Irã. A se confirmarem os resultados – a suspeita de fraude não é pequena –, ficam as dúvidas do que fará Ahmadinejad, famoso por negar o Holocausto. Será que ele vai invadir o museu, armado de um míssil atômico? Será que ele vai tentar cumprir sua ameaça, segundo a qual Israel deve ser varrido do mapa?

É verdade que, apesar de tudo, Ahmadinejad é político e que portanto depende, em maior ou menor grau, da opinião pública – de seu país e do mundo. A prova disso apareceu na campanha eleitoral, quando ele acusou os adversários de fazer “propaganda hitlerista” (leia-se: eu não sou hitlerista). Por último, mas não menos importante, sabe que mexer com Israel não é brincadeira. Vamos, portanto, entrar numa fase perigosa e enigmática.

Para que lado se inclinará o pêndulo? O futuro dirá. E o gosto cinematográfico do Ahmadinejad. Esperemos que veja muitos filmes sobre a II Guerra, sobre o fanatismo em geral – e que aprenda com as lições da História.

Esta terça marca um dia que nasceu literário e que ao longo dos anos está se transformando numa celebração mundial: o Bloomsday. Bloom (aliás, um judeu) é o personagem do magistral romance de James Joyce, Ulysses, cuja ação transcorre num único dia, o 16 de junho de 1904, dia em que Bloom, como um novo judeu errante, percorrerá Dublin vivendo várias aventuras, narradas por Joyce numa linguagem inovadora e surpreendente.

Este dia teria sido escolhido por Joyce porque foi o primeiro em que ele e sua futura esposa, Nora Barnacle, saíram juntos (ou fizeram o sexo inaugural, as versões divergem).

O certo é que os fãs de Joyce, que hoje são legião, reúnem-se em vários lugares do mundo (em Santa Maria já é tradição) para ler trechos da obra – e, em Dublin, para visitarem pontos célebres da cidade, incluindo o pub de Davy Birne, onde Bloom comeu um sanduíche de gorgonzola com um copo de vinho.

A ironia é que, quando publicado, Ulysses teve dois problemas: em primeiro lugar, os tipógrafos não entendiam a linguagem inovadora do autor, que criou palavras inteiramente novas; os erros chegam a milhares, e a pergunta que os leitores tinham de se fazer era: isso é Joyce ou é erro tipográfico?

Segundo, o livro não foi compreendido, nem mesmo por Virginia Woolf, para quem o autor “não sabia escrever”. Mas o tempo faz justiça às grandes obras, dá para confiar nele. Ouviu, Ahmadinejad?

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