quarta-feira, 24 de junho de 2009



24 de junho de 2009
N° 16010 - DAVID COIMBRA


Como enganar um nenê

O Bernardo só gosta de um tipo de bico. Um bico importado. Da Inglaterra, parece, ou de algum outro país extremamente sofisticado da Europa Ocidental. Enfim, tenho um nenê exigente lá em casa.

O problema é que o bico esse não tem autonomia maior do que um ano e nove meses e, ao cabo desse período, os dois exemplares que ele tinha, puf, furaram. Basta comprar outro, certo? Certo. Só que aqueles bicos foram presenteados por alguém que provavelmente veio do ultramar, e agora não tem jeito de encontrar um igual.

Oferecemos vários bicos ao Bernardo, alguns quase idênticos aos que furaram, mas ele nem bota na boca, ou, se bota, logo tira, olha para o bico com nojo, faz ergh e o joga longe.

Noite dessas, quando ele já havia mamado e estava sonolento, agarrado ao seu paninho e pedindo que lhe cantasse boi, boi, boi, nós o enganamos. A substituição foi feita em silêncio... Acenamos com o velho bico e, sem que ele percebesse, colocamos-lhe o outro entre os dentes. Assim ele dormiu tranquilo toda a noite. Vitória!

De manhã, o Bernardo acordou na penumbra do quarto e, como sempre, permaneceu alguns minutos em silêncio, de olhos abertos. Todos os dias ele fica um pouco assim, suponho que pensando em todas as atividades que lhe esperam nas próximas horas, mamar, fazer cocô, tirar um soninho, ver os filmes do Baby Einstein ou dos Teletubies e, o mais importante, brincar.

Depois ele se sentou no berço e começou a tecer considerações sobre a existência. Falava sozinho, olhando para as paredes do quarto. Falou do papai, da mamãe, da vovó, do Bingo (o cachorro do vizinho da esquerda), do Piti (gato da vizinha da direita) e, claro, dos seus carrinhos, que ele tem 11 carrinhos. Aí acendi a luz.

O Bernardo baixou os olhos negros para os próprios lábios. Percebeu que havia algo errado. Puxou o bico dos dentes. Olhou-o. Concluiu, surpreso:

– Bico novo! Fez ergh. E atirou-o longe.

Alguns reservas, por melhores que sejam, não resolvem. O Bernardo e o Inter já aprenderam isso.

A primeira cabeçada

Seu nome era Black. Georg Black. Um alemão retaco, de ombros largos e barba hirsuta, egresso de Munique, terra da deliciosa cerveja Paulaner, da mais antiga cervejaria do mundo e da Oktoberfest, lugar sobre o qual Adolf Hitler disse um dia:

– Quem não conhece Munique, não conhece a Alemanha.

Black jogou nos primórdios do Grêmio, era centromédio, seu nome consta na escalação do primeiro Gre-Nal, disputado há um século menos um mês. Foi por aquele tempo, jogando na Baixada, que Black fez o impensável: num lançamento alto para a área, ele saltou, deu um testaço na bola e mandou-a para o gol sem redes, que rede era um instrumento que não se usava ainda por aqui.

O juiz paralisou a partida. Que espécie de jogada era aquela? Nunca ninguém tinha colocado a cabeça na bola antes. Pelo menos não em gramados do Rio Grande amado. O gol valia ou não valia? Todo mundo discutia: jogadores, torcedores, árbitros. Depois disso, Black tornou-se famoso no Estado como o homem que dava “cocadas” na bola.

Não foram muitos os cabeceadores célebres depois dele. Nos anos 40, o Grêmio contratou um argentino, Ramón Castro, que, segundo o Salim Nigri, pulava um metro mais alto do que qualquer zagueiro e cabeceava com a potência de quem chuta um tiro-de-meta.

Era o herói do Salim, o Ramón Castro. Nos anos 50 o Inter teve o seu cabeceador, um pernambucano que, não por acaso, era apelidado de Bodinho. Nos 70, surgiu no flamante Beira-Rio o grande Escurinho, que metia na bola uma cabeça ornada de cabelo black-power da altura de um chapéu de cozinheiro. Na mesma época, o Grêmio contragolpeava com Neca, que, num único ano, marcou 40 gols de cabeça.

Depois deles, os cabeceadores mais nobres da Dupla foram Jardel e Fernandão. Fernandão, diziam que Fernandão imprimia violência inusitada na bola com um golpe de cabeça porque os médicos lhe implantaram uma placa de titânio na testa. Pode ser, mas não aconselho os meninos que queiram se transformar em cabeceadores a fazer o mesmo em casa.

Agora, o Grêmio tem o argentino Maxi López. Um cabeceador de nascença, vê-se, e que joga com o 16 às costas, o mesmo número da camisa de Jardel na Libertadores de 95. Como ocorria com Jardel nos anos 90, o Grêmio de agora tinha de jogar para Maxi López.

Todo o esquema do Grêmio devia ser desenhado para que os movimentos do time culminassem em Maxi López. Maxi López, a salvação do paupérrimo Grêmio dos anos 2000. Aproveitem-no. Não é sempre que se tem no ataque um jogador da estirpe do velho Georg Black.

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