sábado, 20 de junho de 2009



20 de junho de 2009
N° 16006 - CLÁUDIA LAITANO


A fila anda

Apesquisa sobre o comportamento sexual dos brasileiros divulgada esta semana pelo Ministério da Saúde é movida por uma série de propósitos úteis e relevantes – a maior parte deles relacionados a políticas de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e coisa e tal.

Mas, com exceção de pais de adolescentes, profissionais da área de saúde e hipocondríacos, são raras as pessoas que diante de uma pesquisa desse tipo ficam pensando apenas em riscos de contaminação.

Sexo é como televisão: quase todo mundo tem, mas os modelos variam muito. (Na verdade, a TV leva uma clara vantagem: está em 94,5% dos domicílios do Brasil, enquanto apenas 77% dos 8 mil entrevistados, de 15 a 64 anos, afirmaram ter vida sexualmente ativa.)

Se quase todo mundo faz, mas nem todo mundo comenta (ao contrário dos programas de TV....), é natural que uma pesquisa sobre sexo desperte curiosidade e um irrefreável impulso de comparação com o comportamento mediano.

É verdade que, falando sobre sexo, os entrevistados podem ser levados a exagerar o que consideram uma vantagem e esconder o que os deixa desconfortáveis. Os sulistas fazem mesmo mais sexo do que os nordestinos (82% aqui, 74% lá) ou são apenas mais falastrões? (E, se isso é verdade, esse insuspeitado vigor meridional relaciona-se à temperatura ou à alimentação? Aos hábitos sociais ou à educação?

Cartas para a redação.) As mulheres traem muito menos (11%) do que os homens (21%) ou apenas têm mais dificuldade para falar sobre isso? Um assunto que envolve não apenas dados, mas valores morais, culturais e autoestima, nunca é tão simples quanto os números do Ibope – e mesmo eles de vez em quando dão confusão.

O mais interessante nesse tipo de levantamento acaba sendo menos o comportamento da maioria do que as tendências que se insinuam no horizonte. Nesse sentido, um dos dados mais eloquentes dessa pesquisa é o que revela o aumento expressivo do chamado “sexo casual” – de 4% (em 2004) para 9,3% (em 2008).

Para os pesquisadores, o entrevistado praticou “sexo casual” quando teve mais de cinco parceiros no ano anterior – um número que, solto no meio das estatísticas, terá o sentido que nossa fantasia quiser dar a ele.

Porque ter cinco ou mais parceiros diferentes em 12 meses pode deixar uma pessoa muito feliz ou muito insatisfeita. Pode refletir uma semana superanimada de alguém que passou o ano inteiro deprimido, a rotina de uma pessoa casada que teve quatro amantes ou o balanço final de um incurável romântico que teve cinco namoros tão sérios quanto azarados. Estatísticas nunca dizem tudo.

A razoável preocupação do Ministério da Saúde com a quantidade de parceiros é que as doenças se espalhem no mesmo ritmo. Mas uma leitura não-médica e não-moral do assunto pode apontar para aquilo que o sociólogo polonês Zygmunt Bauman chamou de “amor líquido” – a tendência da nossa época de depositar tanta expectativa de satisfação nos relacionamentos que nenhum deles consegue ser satisfatório por muito tempo.

É tanta vontade de ter um “relacionamento legal” que, quando finalmente ele aparece, as pessoas ficam ansiosas por todos os potenciais “relacionamentos legais” dos quais estão abrindo mão. Hoje, a fila não apenas anda: ela corre.

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