sexta-feira, 2 de maio de 2008



02 de maio de 2008
N° 15589 - Paulo Sant'ana


O fim dos morros

É com desolação que passo ao largo do Morro da Polícia, que antes foi talvez a maior riqueza ecológica de Porto Alegre e o vejo quase tomado, encostas acima, de habitações.

O Morro da Polícia está apinhado de casas, há ruas, há comércio, há vida indevida e agressiva por todos os lados.

É desanimador e perigoso que o morro mais importante e significativo da cidade se transforme de uma hora para outra num bairro urbano, num conjunto colossal de habitações, um enclave humano onde só deveria haver árvores, toda espécie de vegetação, animais silvestres, plantas, pássaros, répteis.

Era assim o Morro da Polícia durante a minha infância. Praticamente um parque florestal com fauna encravada no seio dele, com fontes, com folhagens, cipós de onde nós, guris, nos atirávamos, em brincadeiras de Tarzã que nunca mais saíram de nossas lembranças.

Eu buscava água num barril para os apostadores de uma cancha de osso que ficava ao fundo das linhas de tiro do Exército e da Brigada. Cada viagem que eu fazia para buscar água até quase o cume do morro me rendia cinco cruzeiros.

Ao meu redor, naquela subida íngreme com o barril nas costas, o cântico dos passarinhos, os canários, os cardeais, os pintassilgos.

Os meus pés esbarravam nos lagartos e espantavam as cobras. E vez por outra se via a corrida assustada das lebres.

Que tempo de namoro direto e estreito com a natureza!

Evidentemente que, vivêssemos num país civilizado, onde as leis são respeitadas, o Morro da Polícia estaria tombado, seria uma reserva intocável, os homens só poderiam pisar nas suas trilhas de paraíso turístico, que era isso que eu fazia como menino, sem me aperceber tanto que varava um éden natural quanto que em breves anos ele estaria destruído, ocupado pelo casario intrometido dos invasores.

E logo depois que são ocupados os morros de Porto Alegre, pressionada pelas comunidades ilegais, a prefeitura instala lá os canos de água; a CEEE, os fios de energia elétrica; depois os esgotos.

E vamos extinguindo a natureza, em nome de ela servir ao homem, quando o homem é que se serve dela, destruindo-a.

Incontível vandalização da cidade. Dentro dela, a devastação dos parques, ao redor dela, a dos morros.

Evidentemente que não vai dar boa coisa. Melhor dito, vai dar em tragédia uma cidade que contém apenas cimento e asfalto.

Uma cidade em que seus moradores, se quiserem desfrutar da natureza, terão de viajar para a Serra ou para o mar.

O homem desbasta a cidade de vegetação e corre nos fins de semana e nas férias em busca de vegetação, uma imbecilidade coletiva que se traduz no resultado de, no maior tempo de sua vida, ficar afastado da natureza, mergulhado na poluição, encerrado no seu lar, cercado de ar impuro por todos os lados.

Foi-se o Morro da Polícia. Está ruindo na fúria imobiliária o Morro Santana. E nessa marcha será também ocupado pelas hordas invasoras o Morro do Osso.

As autoridades não têm força para conter os camelôs e os invasores de morros.

Há leis que protegem o meio ambiente, mas ninguém as respeita, o poder público lava as mãos.

Quem quiser terreno de graça - com a vantagem de desfrutar da melhor paisagem - , invada o morro.

É uma verdadeira corrida do ouro, mas o futuro tem cor de chumbo.

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