quarta-feira, 26 de setembro de 2007


CLÓVIS ROSSI

A banalização do absurdo

SÃO PAULO - Acabou o trabalho escravo no Brasil. Era uma imensa chaga aberta -uma delas apenas. Trabalho escravo em pleno século 21 era também uma demonstração -uma delas apenas- do primitivismo do país tropical.

Agora, não há mais. Ou melhor, não há mais fiscalização, logo não haverá mais denúncias de trabalho escravo e, sem denúncias, só saberão que existe trabalho escravo suas vítimas diretas e os respectivos algozes. Ninguém mais.

É o mundo ideal para qualquer governante, já que todo governante odeia críticas e denúncias. A "mídia golpista" perde, assim, uma chance de atacar o governo.

Tivessem a Procuradoria Geral da República e o STF também suspendido seus trabalhos antes da denúncia do mensalão e de sua aceitação, não existiria o que a procuradoria chamou de "organização criminosa", rótulo aceito pelo STF.

Ironias à parte, o fato é que a suspensão da fiscalização sobre trabalho escravo é um aspecto -um deles apenas- da banalização do absurdo em que se transformou o Brasil.

A paralisação se deve, essencialmente, a uma ação de senadores contra a autuação de uma fazenda do Pará. Os pais da pátria, em vez de zelarem pelo devido cumprimento da lei, preferem punir quem de fato zela por ela. Se houve abuso dos fiscais, o certo seria puni-los, após a devida apuração.

Paralisar a fiscalização equivale a deixar de prender assassinos em flagrante só porque um policial, num dado dia, abusou na hora de prender alguém.

Mas, bem feitas as contas, quem se surpreende com o absurdo, ainda mais quando o absurdo é praticado por senadores? Afinal, o Senado caiu oficialmente na clandestinidade na hora em que líderes do governo e da oposição decidiram reunir-se, longe das vistas do presidente da Casa, para decidir o que ela deve fazer. Seria absurdo, não estivéssemos no Brasil.

crossi@uol.com.br

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