domingo, 23 de setembro de 2007



Crianças não nascem corruptas

Tema para debateConta a fábula do sapo e do escorpião que, estando os dois num dos lados do rio, o escorpião pediu ajuda ao sapo para passar para a outra margem. Com a anuência do sapo, começaram a atravessá-lo. No meio do percurso, porém, o escorpião picou o sapo com seu espigão, largando seu veneno.

O sapo começou a sucumbir, mas ainda com forças, perguntou: "Por que me fizeste isso, mesmo sabendo que não poderás chegar ao outro lado sem a minha ajuda?" O escorpião desculpou-se e acrescentou: "Está na minha natureza".

Moral da história: Quem tem má índole, mais cedo ou mais tarde, acaba mostrando o que realmente é.

Servindo-me da conhecida fábula, uso o reino animal para figurar uma questão, muito recorrente, quando se trabalha com educação infantil: Como pais podem exercer ativamente seu papel, impondo limites, sem causar traumas?

Parece fácil falar de limites. Especialistas enumeram teorias, o que fazer ou o que não fazer para transmitir limites. Porém, a questão transcende, e realmente não existem fórmulas milagrosas, até porque se trata de um aprendizado puramente emocional e fundamentado na forma através da qual os limites são passados.

A ausência dos pais na vida da criança, muitas vezes pelo excesso de trabalho, gera sentimentos de culpa e maior permissividade.

É necessário considerar também a herança sócio-histórica de repressão contrapondo-se à liberdade total, o que acarretou uma provável distorção na forma de se educar e quais valores transmitir. Outro aspecto é a questão cultural: nossa cultura predispõe à tolerância, ao perdão, à prática transgressiva.

Se o fato de transgredir regras começa desde cedo, embora possa - e deva - ser controlado com medidas educacionais e limites, os inúmeros casos de corrupção continuamente apresentados na mídia apontam para o fato de que ser esperto é a grande jogada.

O tema corrupção é instrumento de pesquisa do psicoterapeuta João Figueiró, do Hospital de Clínicas de São Paulo, desde 1970.

Para ele, trata-se de um mal incurável, irreversível e constituído na infância, e que pode ser contido apenas por meio de sanções externas: para infratores de trânsito, pontos na carteira. Para crianças desobedientes, fim da sobremesa. "A fase nuclear de constituição da personalidade se dá entre cinco e oito anos.

É claro que muito pode acontecer na constituição do caráter ao longo da vida. Dizemos que o cérebro continua a se constituir neurologicamente e psiquicamente até os 25 anos, mas muito do caráter de alguém depende das relações significativas que a pessoa manteve no ambiente físico que a cercou durante a vida: a escola, a família..."

A criança de hoje, diante da grande carga de estímulos, responde com maior rapidez ao meio, porém a aprendizagem dos limites pessoais e sociais é longa e leva anos: não nascemos civilizados, tornamo-nos cidadãos por imitação de modelos externos.

A máxima do "faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço" deve ser literalmente descartada: filhos podem não ouvir o que os pais dizem, mas com certeza vêem o que fazem e como fazem.

Os primeiros modelos, usos e costumes - a vida em família - fazem parte fundamental do conteúdo da consciência. Pais devem representar autoridade e ser respeitados por isso.

O verdadeiro exercício da educação só é realizado na prática. É preciso assumir com confiança o lugar de educador e orientador de nossos filhos, descartando o espontaneísmo e resgatando a autoridade paterna.

MARA DEBUS | Diretora e consultora educacional

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