sábado, 29 de setembro de 2007



29 de setembro de 2007
N° 15381- Cláudia Laitano


Falem mal, mas falem

Ao contrário dos ministros Gilberto Gil e Tarso Genro, não assisti à cópia pirata de Tropa de Elite.

A preferência inabalável pela tela do cinema me poupou da constrangedora ginástica moral necessária para explicar por que a pirataria só é condenável na casa dos outros - e isso se os outros não forem nossos chapinhas. Não sei, portanto, se o filme de José Padilha legitima a tortura e transforma policiais truculentos em rambos da classe média.

Não sei se o argumento de "mostrar a realidade" justifica as escolhas estéticas e políticas feitas pelo diretor ao longo do filme. Não sei e não vou ficar sabendo antes da estréia oficial - marcada, sinistramente, para o Dia das Crianças (a violência, policial ou não, não costuma selecionar vítimas pela idade, e o filme não esconde isso).

Mas ainda que as piores críticas se confirmem, e Tropa de Elite seja mesmo um filme que se presta a uma leitura fascista do complexo problema da violência urbana, acho que não corro muito risco em afirmar que 10 linhas sobre essa polêmica são mais interessantes do que as dezenas de páginas impressas e virtuais que debateram o palpitante suspense a respeito da identidade do assassino da Taís ao longo de toda a semana que passou.

Parece covardia comparar filme brasileiro com telenovela. O primo pobre da cultura nacional, sempre dependente do financiamento do Estado e a um passo de se perder na irrelevância das salas vazias e das boas intenções artísticas, contra um bem-sucedido produto de exportação, que, na pior crise de audiência, nunca deixa de contar seus espectadores na casa das dezenas de milhões.

Mas é exatamente a distância que separa esses dois mundos que dá a idéia do tamanho do feito que foi levar os debates em torno de um filme nacional para as capas do jornais. Falem mal, mas falem de um filme, de um livro, de um espetáculo de teatro, de uma idéia, de uma tentativa de entender como as coisas funcionam ou de emocionar para além das sensações fáceis e programadas.

Essa é a relevância que, no mundo ideal, o universo da arte e mesmo do entretenimento deveria ter, virando assunto não apenas pelo viés recorrente dos escândalos da vida privada ou porque "todo mundo comenta", como a dança do siri ou o assassinato da Taís, ou porque acidentalmente entrou em debate a discussão sobre um tema polêmico como a propriedade intelectual - foram as cópias piratas que inicialmente chamaram a atenção para Tropa de Elite.

Em uma época de excesso de informação e escassez de idéias, em que intelectuais são cobrados pelo seu silêncio e escritores contemporâneos que "arrebentam" nas livrarias têm cinco mil leitores, discutir temas como o uso indiscriminado da tortura,

o papel da classe média na indústria do tráfico, as soluções, ou falta de, para a violência urbana graças a um filme e a um livro (Elite da Tropa, que deu origem ao longa-metragem) é um prodígio que merece ser celebrado. Viva o debate estético e político. Vivam as pessoas que odeiam Tropa de Elite e as que gostaram do filme também.

Porque elas tiram o cinema brasileiro do fundo das prateleiras das locadoras e das madrugadas do Canal Brasil e o colocam bem no meio das conversas que podem fazer diferença.

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