domingo, 16 de setembro de 2007

As debutantes e seu baile



As debutantes e seu baile

Quando ocorre o baile das debutantes, a gente volta ao passado e, ao menos por uma noite, a velha magia se restabelece

Um baile de debutantes nos fascina porque é das debutantes e também porque é baile: baile é coisa tão antiga quanto significativa.

Porque a dança é coisa antiga e significativa; os movimentos do corpo ao som de música expressam desejos e anseios que as palavras simplesmente não conseguem traduzir. Dançar faz parte das culturas primitivas e também das civilizações clássicas. O baile expressa a tensão entre o popular e o aristocrático, entre o instinto e a repressão.

As classes altas dançavam de maneira comportada, seguindo um esquema rígido, do qual o minueto era o exemplo. Mas o povo queria mesmo cair na gandaia porque baile era, ao fim e ao cabo, uma forma de proporcionar encontros entre os sexos.

E nada foi mais ilustrativo deste conflito do que a valsa. Ali estava uma dança na qual os pares rodopiavam loucamente, à beira do desvario. Não é de admirar que, no século 19, a valsa fosse severamente condenada, inclusive por médicos, que viam nela uma ameaça à saúde.

Condenação inútil. A valsa arrebatava homens e mulheres. Coisa que Casemiro de Abreu retratou num poema famoso, chamado, justamente A Valsa: "Tu, ontem! na dança! que cansa! voavas! Com as faces! em rosas! formosas! de vivo! lascivo! carmim.!

Na valsa! tão falsa! corrias! fugias! ardente! contente! tranqüila! serena! sem pena!de mim!". A idéia vigente era de que as mulheres enlouqueciam no baile, coisa de que Gonçalves Dias se queixa em outro poema: "Ontem no baile não me atendias!! Não me atendias! quando eu falava.!

Eu vi teus olhos! sobre outros olhos!!Sobre outros olhos! que eu odiava': Para tentar disciplinar um pouco as senhoritas, foi introduzido o carnnê de baile, um caderminho no qual elas tinham de anotar, diligentemente, o nome dos homens com os quais dançariam (uma vez com cada um).
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O baile não era só um risco para a pessoa, era um risco para a sociedade inteira: o fim do lmpério no Brasil está associado ao baile da llha Fiscal, no Rio de Janeiro, realizado seis dias antes da proclamação da República: uma extravagante festança que reuniu entre 3 e 5 mil pessoas e que certamente contribuiu para aumentar a revolta dós republicanos.

Sim, baile pode fazer história, e foi nisto que o diretor de cinema italiano Ettore Scola se baseou para seu filme O Bane, no qual, sem sequer um único diálogo, a história da França, ao longo de 40 anos, é re constituída num salão de baile: vemos ali como a dança, e as pessoas, mudaram através do tempo.

Aliás, na França ocorre um baile famoso, o Baile do 14 de Julho, que lembra anualmente a Revolução Francesa (melhor dança do que guilhotina).

Em Porto Alegre, tivemos um baile famoso, o Baile da Reitoria. Muitos namoros começaram ali porque, numa época de costumes severos, o baile, e seu equivalente doméstico, a reunião dançante, era a única forma de aproximar rapazes e moças.

Uma aproximação sempre emocionante e na qual os avanços eram milimétricos e continham qualquer investida, e o a gente podia chegar era encostar e encostar o rosto era uma glória. Lembro um amigo saindo do baile eufórico: ele tinha encostado o rosto e bradava para quem quisesse ouvir: “Bota a mão aqui na minha bochecha quente!".

Depois veio a revolução ficou muito quente, quente demais segundo os saudosistas. Mas, quando ocorre o baile das debutantes, a gente volta ao passado e, ao menos por uma noite, a velha magia se restabelece. Ainda bem que há lugar para a magia em nosso mundo.

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