sábado, 29 de setembro de 2007



30 de setembro de 2007
N° 15382 - David Coimbra


A viagem do obelisco

Fui consultar a dona Célia Ribeiro sobre o Obelisco de Luxor.

- Diz-se Lúcsor, não Lúchor - explicou-me ela, paciente.

A Dona Célia é uma francófila, sabe tudo de Paris, e me interesso pelo Obelisco de Luxor e, embora o Obelisco de Luxor seja de Luxor, está em Paris, por isso fui falar com a dona Célia, que é uma francófila e sabe tudo de Paris, o que significava que ela deveria saber sobre o Obelisco de Luxor, e sabia mesmo, tanto que enfatizou que se diz Lúcsor, não Lúchor.

Entendeu?

Bom. A verdade é que o Obelisco de Luxor, que está em Paris, nem sempre esteve lá. Em Paris.

O Obelisco de Luxor manteve-se fincado em Luxor durante mais de três mil anos, adornando o templo mandado construir pelo faraó Ramsés II, que, suspeitam os historiadores, foi quem debateu acerbamente com Moisés a permanência dos hebreus como escravos no Egito.

Foi ele, Ramsés, que sofreu com todas aquelas pragas, sapos, gafanhotos, morte dos primogênitos, tudo isso, para acabar tendo o seu exército todinho afogado nas águas do Mar Vermelho, que Moisés abriu e depois, ladinamente, fechou.

Naquele tempo, Luxor nem se chamava Luxor; era Tebas. Com o que, o Obelisco de Luxor devia se chamar Obelisco de Tebas, o que complica ainda mais a história. Além do mais, estou tergiversando. Chega. Vou tentar simplificar.

Na porta de entrada do templo de Ramsés havia um par de obeliscos de pedra, imponentes, gigantescos, tão grandes que nem Obelix seria capaz de erguê-los.

Os séculos passaram, os milênios também, a glória do Antigo Egito esvaneceu-se quando o seio de Cleópatra foi mordido pela naja, e ninguém mais se lembrava do fulgor dos faraós.

Até que Napoleão chegou.

Durante a Campanha do Egito, Napoleão escalou as pirâmides, forjou aquela frase famosa e espalhou 150 cientistas pelo país. Voltou para casa frustrado com a empreitada militar, mas cheio de informações colhidas pelos cientistas, o que acabou cevando a egiptologia moderna e um interesse pelo Egito Antigo com uma intensidade que só existe na França - os franceses adoram o Egito.

Outro butim que Napoleão literalmente arrancou da areia do deserto foi o Obelisco de Luxor (Lúcsor!).

Como o monumento pesava 320 toneladas, um navio foi construído especialmente para transportá-lo. A operação toda levou dois anos. Hoje, o obelisco está plantado na Place de la Concorde, majestoso, invencível, tri.

Há quem diga que o obelisco foi um presente do vice-rei do Egito, Mohammed Ali, que o trocou com os franceses por um relógio em 1836, fazendo um péssimo negócio, o que deixou os egípcios bem chateados.

Mas tanto faz. O certo é que os franceses levaram o obelisco embora e hoje ele é um dos orgulhos de Paris.

Os europeus fizeram muito disso, na sua fúria colonialista. A Pedra de Roseta está no Museu Britânico, a magnífica Vitória de Samotrácia e a delicada Vênus de Milo enfeitam o Louvre, o Altar de Pérgamo encanta Berlim, e assim por diante.

Por quê?

Porque os orientais preservaram mal, ou simplesmente não preservaram, suas relíquias. Na Europa, esses patrimônios da Humanidade estão protegidos, bem cuidados e democraticamente expostos à admiração pública.

Desculpem-me, pois, as comunidades gregas, egípcias, turcas e iraquianas, mas prefiro os tesouros históricos no Louvre do que em Bagdá.

Assim essa discussão sobre os despojos de Jango, se devem continuar em São Borja ou repousar no memorial que está sendo levantado em Brasília. Onde os restos mortais de Jango serão tratados com mais dignidade e, até, com a suntuosidade merecida?

Eis a questão.

E os nossos velhos estádios de futebol? Que fazer deles? Há quem os defenda como relíquias históricas. Não são. São obsoletos, desconfortáveis e atrasados.

São velhos, não antigos. Portanto, saúdo a demolição do Olímpico e a nova Arena que Paulo Odone pretende construir.

Hoje, Paulo Odone já é um dos maiores presidentes da história do Grêmio. Se construir a Arena, será o maior. Será, assim, um Napoleão!

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