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quarta-feira, 26 de setembro de 2007
26 de setembro de 2007
N° 15378 - Martha Medeiros
A coreografia do amor
Quando eu escrevo sobre uma peça de teatro, um filme ou um livro, não é uma crítica de uma profissional.
É a opinião de uma amadora que usa o mesmo equipamento que a maioria das pessoas: o achômetro. Tem mais: quase nunca me atenho exatamente ao que vi, mas ao pensamento que me foi despertado a partir do que vi.
Por exemplo, fui longe enquanto assistia ao espetáculo de dança do grupo japonês Sankai Juku, que se apresentou recentemente no Teatro do Sesi, como parte da programação do Em Cena.
Meu achômetro registrou uma iluminação deslumbrante, uma apresentação onírica, um esplendor diante dos olhos. Um espetáculo delicado, minucioso, sofisticado, universal, surpreendente e que, com o passar do tempo, vai ficando tedioso.
Quando já se está na fase dos bocejos e das cabeceadas, chega o final. Acaba. Então a platéia aplaude ruidosamente e o agradecimento do grupo faz o espetáculo ganhar uma sobrevida. Eles agradecem com uma espécie de coreografia do adeus, um momento mágico, tocante.
Cerram-se as cortinas e ficamos com a consciência de que o que se viveu naquele espaço de tempo dentro do teatro foi algo realmente importante e único, mesmo que em alguns momentos do "durante" tenhamos olhado impacientemente para o relógio.
Agora mate a charada: a que isso se compara? Exatamente: a uma relação de amor.
O amor começa sob o impacto da paixão. Parece que você está sonhando. Nada pode ser mais elevado, mais perfeito.
Você não sabe exatamente o que vai acontecer, e fica atento a todos os movimentos, procurando sentido no mistério, encantado com o que está vivendo e confiante no que está por vir.
E o tempo passa. E o que era novo e surpreendente cai numa espécie de rotina, de repetição. Nada está ruim, mas já não mantemos atenção plena - sem desmerecer o que se está vivendo, passamos a olhar para os lados, a procurar uma melhor posição na cadeira, em algum lugar o corpo começa a coçar.
Então vem o primeiro bocejo. E o segundo. Você não sabe mais ao certo se está gostando, só sabe que tem que continuar ali.
Discretamente, espia que horas são. Não sabe quando vai acabar, mas já pensa no fim. Deseja esse fim, aliás. Secretamente. Com uma culpa dos infernos. Devia estar mais feliz.
Até que a relação termina, porque tudo termina. Você se alivia com a idéia, mas não sai correndo. Fica para uma conversa com seu futuro ex. Analisa com ternura o que viveu. Descobre que o passado foi belo. Que você teve uma oportunidade que poucos têm: o de chegar bem perto do sublime.
Emociona-se, então, pela última vez, com uma intensidade nova.
E vai embora. O coreógrafo e principal bailarino do grupo Sankai Juku, o senhor Ushio Amagatsu, que tem uma espiritualidade e uma alma muito mais refinada que a minha, me enfiaria uma espada pontiaguda no meio do peito se soubesse desses meus devaneios mundanos. Mas que aborrecida seria a vida sem a liberdade de interpretação.
Uma ótima quarta-feira, dia Internacional do Sofá. Aproveite o sol porque a noite a promessa já será de chuva por aqui.
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