sábado, 29 de setembro de 2007



29 de setembro de 2007
N° 15381 - José Pedro Goulart


Sexo na rua

Um pequeno furgão, com as janelas pintadas para que não se veja nada dentro, estaciona em uma rua movimentada com centenas de pessoas passando. Subitamente a porta do furgão se abre e de lá desce um casal, os dois completamente nus. Ali mesmo, diante de todo mundo, eles começam a transar (não é simulação, é sexo mesmo).

Tudo é muito rápido e antes de qualquer reação eles correm para dentro do furgão que sai rapidamente de cena. Do lado de fora alguém grava tudo e quase imediatamente o feito está disponível na rede.

A questão não é o ato obsceno/debilóide, a questão é a necessidade de furar o bloqueio da mesmice, da repetição infinita dos assuntos comuns. É a função da desordem, mesmo que muitas vezes ela seja idiota. É preciso competir com o dia-a-dia não-espetaculoso. Com a vida ordinária. É preciso conviver com o que não há.

Tomemos a China como exemplo: o que aconteceu por lá nos últimos dias? Um bilhão e duzentos milhões de pessoas e... nada. Nenhuma manchete vinda de lá. Um bilhão e duzentos milhões de pessoas! E se levarmos em conta as capas dos sites e jornais, nem precisamos da China para garantir o argumento.

Fora um ou outro sobressalto - uma tragédia, um bebê de 11 quilos, um transplante de face - , na maioria das vezes não há nada relevante, apenas pedaços de uma certa "caricatura factual": "fulana fotografada sem calcinha", "quando as galinhas se coçam é sinal de chuva", "roubo em cemitério intriga a população".

O fato de que os fatos são cada vez menos extraordinários nos remete a um certo esgotamento, inclusive do que seria abstrato e, portanto, inesgotável.

Essa sensação talvez se deva ao excesso de conexão a que nos submetemos o tempo todo. A internet cada vez mais portátil junto ao celular e sua base periférica nos deixa praticamente invulneráveis a qualquer surpresa.

Além disso, o mundo está mapeado por satélites (ponto para os paranóicos): estamos sendo vigiados o tempo todo. Sabemos também do clima, quando vai chover, ou se a temperatura vai cair. E assim vamos, online uns com os outros numa conexão tão extensa quanto inútil.

James Dean, Bob Dylan, Sid Vicious...

Os símbolos da contracultura morreram ou envelheceram ou sucumbiram. Sobrou uma certa histeria no sentido de produzir factóides num mundo que vem se obrigando a ocupar "qualquer" espaço visual, ou promover barulho naquilo que deveria estar em silêncio, obstruindo os canais da imaginação.

Diante disso, não deixa de ser uma resposta sair de uma van com o pênis ereto, transar no meio da rua, na frente de centenas de desconhecidos e depois exibir para milhões de internautas anônimos.

Hoje e amanhã tem o show do Nico Nicolaiewsky no Theatro São Pedro: Onde Está o Amor? Não deixe de ir, talvez você encontre a resposta a essa instigante questão, na minha opinião a única que realmente interessa.

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