sábado, 22 de setembro de 2007



23 de setembro de 2007
N° 15375 - Luis Fernando Verissimo


O seguido e o seguidor

DO BAÚ

Eu sei que você está me seguindo. Não negue.

- Eu? O senhor deve estar me confundindo com...- Pare. Você pensou que eu não tinha notado? Todos estes anos? - Não sei do que o senhor está falando. - Quantos anos? Cinco? Seis?

- O outro fica em silêncio. Depois diz: - Mais. - Dez? - Mais. - Quantos? Novo silêncio. Finalmente:

- Não sei ao certo. - Você não sabe há quantos anos vem me seguindo? - Perdi a conta. - E por que está me seguindo? O silêncio desta vez é mais longo. Depois: - Também não sei.

Os dois têm mais ou menos a mesma idade. Sessenta e poucos.

- Deixa eu ver se entendi - diz o seguido. - Você vem me seguindo há mais de dez anos, mas não sabe por quê?

- Esqueci. - Você foi contratado para me seguir? - Fui. - Pois então. Alguém está lhe pagando para me seguir. Quem é que lhe paga?

- Ninguém mais me paga. Nos últimos cinco, seis anos, tenho seguido o senhor por conta própria. Foi por isso que o senhor descobriu que estava sendo seguido. Eu não tenho mais dinheiro para comprar disfarces.

- Você é um detetive? - Era. Me aposentei. Só o que eu faço agora é seguir o senhor o tempo todo.

- Por quê? - Não sei. Hábito. Era o que eu sabia fazer melhor. Ou.. - O quê?

- Talvez continue a segui-lo porque é a única maneira de descobrir por que eu lhe seguia.

- Quem foi que o contratou? - Nunca fiquei sabendo. O contrato foi feito com a agência. - Minha mulher? Meu sócio?

- Não sei.

- Que tipo de coisas queriam saber a meu respeito?

- Tudo. Onde o senhor ia. Com quem se encontrava. Aquela vez que o senhor foi a Cancun...

- Você estáva lá? - Lembra do Manito? O do bigode e das...- Era você?

- Bem mais moço. O senhor me deu muito trabalho quando começou a fazer jogging aqui no parque. Eu estava fora de forma, não conseguia acompanhá-lo. Ainda bem que teve aquela queda, e a fratura no joelho. Agora o senhor só caminha e ficou mais fácil segui-lo. Aliás, eu tive alguma coisa a ver com aquela queda. Lembra da velha com o cachorro numa correia?

- Era você? - Era. Desculpe. - E você fazia relatórios sobre a minha atividade?

- Diários. Ainda faço. - Ainda faz?! - Tenho cadernos cheios de relatórios. Toda a sua vida, em detalhes. - Mas por quê?

- Porque a única coisa que eu faço na vida é seguir o senhor. Porque preciso estudar minha anotações e descobrir alguma coisa suspeita no seu comportamento. Para saber por que eu estou lhe seguindo!

Havia alguma razão para o seguido ser seguido? Algo suspeito ou reprovável na sua vida? Algum segredo? Só ele poderia dizer.

Enganava a mulher? Enganava o sócio? O Fisco? Quem poderia ter pedido para ele ser seguido o tempo todo? E por quê?

- Você pode me contar. Meus relatórios não servem para nada. Só eu leio. Pensei até em escrever um livro a seu respeito, aproveitando minhas anotações, mas seria um livro chatíssimo. Nada acontece na sua vida.

O seguido se esforça para se lembrar de alguma coisa. O seguidor insiste. - Ninguém vai ficar sabendo!

- Eu sei. Mas não consigo me lembrar de nada.

- Qualquer coisa. Não precisa ser um grande pecado. Traição da pátria, bestialismo, nada disso. Um deslize serve. Um casinho. Um vício. Qualquer coisa. Só para eu saber por que estou seguindo o senhor. Só para eu saber que não desperdicei a minha vida O outro sacode a cabeça.

- Desculpe, não posso ajudá-lo. Vou dar mais algumas voltas. - Está bem, está bem - suspira o outro, desolado. - Eu vou atrás. - Talvez a gente possa tomar um café, depois. - Tá bom. Mas não naquele bar que o senhor vai sempre. Já enjoei daquele.

Nenhum comentário: