quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Grafite



19 de setembro de 2007
N° 15371 - Diana Corso


Grafite

Havia transcorrido uma década da queda do muro de Berlim quando cheguei a Dresden, cidade fênix erguida a partir dos escombros da II Guerra.

Acompanhei a reconstrução da Frauenkirche, cujas pedras remanescentes foram guardadas e catalogadas durante mais de meio século e virou símbolo do esforço de restauração que terminou finalmente em 2006. No caminho do aeroporto, descortinava-se uma outra imagem de devastação, seqüela de conflitos mais recentes:

o esqueleto sucateado do bairro industrial daquela que parece ter sido uma cidade muito ativa da então Alemanha Oriental. Como grandes baleias encalhadas, apodrecendo, as fábricas dos arredores da cidade estavam abandonadas. Foi ali que comecei a entender o que é um grafite.

As ruínas das antigas indústrias estavam coloridas. Aqui e ali, despontavam grafites, numa ocupação simbólica daquilo que não tinha mais função. Haviam passado por ali artistas, que se incumbiram de transformar aqueles restos em um tipo de monumento histórico.

A burocracia totalitária, que transformou o sonho de uma sociedade igualitária em pesadelo, sucumbiu com o muro, mas não foi possível eliminar com ela a memória da vida de um povo.

Os habitantes guardam memórias do regime comunista, foram quatro décadas de vivências diferentes que não podem ser abandonadas. É compreensível, portanto, que tenham se recoberto aquelas paredes de desenhos e mensagens. Um passado recente não podia ser esquecido assim.

Grafitar e pichar são iniciativas similares e diferentes ao mesmo tempo. O pichador que rabisca seu apelido num alfabeto próprio para iniciados apenas ocupa as superfícies da cidade de forma parasitária.

Ele ousa e transgride para deixar registrada sua "marca do Zorro" e medir-se com seus pares. A "mensagem" não passa de um desafio, seus traços são um apelo de afirmação da uma identidade que não encontra outra expressão.

Confundidos com a massa dos pichadores, os grafiteiros fazem um trabalho diferente, de artistas. As paredes por eles desenhadas dão outro sentido à paisagem.

Há lugares abandonados, destruídos ou machucados pelas transformações da cidade, muros feios, costas de prédios, lugares não lugares. Os grafiteiros põem para dentro dos nossos olhos partes da paisagem que ficam de fora de nossa percepção apressada e limitada.

Jovens são cabeças frescas que ganham as ruas, pois de fechada já lhes bastou a infância que se encerra. Eles querem e precisam olhar criticamente para fora, para o que não é óbvio.

É ali que fazem suas intervenções irreverentes, redesenhando o cenário da nossa vida. Os grafiteiros de Dresden fizeram seus manifestos a partir daqueles esqueletos tristes, chamando a atenção para a utopia decomposta.

A destruição é muito eficaz e assume sempre novas formas, mas a capacidade de criar, por sorte, também. Nestes dias tão artísticos de instalações e bienais, é bom lembrar que essas intervenções na cidade também são belas e certamente dão o que pensar.

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