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quinta-feira, 20 de setembro de 2007
Um perfume para Holenca
20 de setembro de 2007
N° 15372 -Nilson Souza
Um perfume para Holenca
A menina arrasta-se pelo mundo como um animalzinho ferido. Não vê, não fala e não ouve. Tem autismo e deficiência mental profunda.
Só sabe que está viva e que outros seres humanos se movimentam em torno dela porque as tias do internato tocam no seu corpo várias vezes por dia, para alimentá-la, para banhá-la, para trocá-la e para apontar-lhe o rumo da cama, onde passa a maior parte das suas horas.
É doloroso vê-la caminhando curvada, magrinha, pele muito branca, sempre segurando o braço ou as roupas de alguém que se disponha a conduzi-la de um canto a outro. É tão pequena, tão desamparada e tão frágil, que mesmo os mais levadinhos do grupo evitam molestá-la. Nunca vi um ser humano tão carente de proteção.
Essa personagem de pesadelo habita uma casa da zona sul da capital gaúcha, com mais 40 internos, todos portadores de alguma deficiência. São, em sua maioria, pessoas abandonadas pelas famílias, que não sabem o que fazer com elas.
Passam dias e noites reclusas num espaço relativamente restrito - um pátio pequeno, uma cozinha coletiva e quartos compartilhados.
Mas, se tivessem discernimento, certamente se considerariam felizes, pois têm teto, alimentação e acompanhamento médico, enquanto outros 164 desvalidos esperam na fila por uma vaga na única casa que recebe pacientes desse tipo no Estado - o Inamex, Instituto de Amparo ao Excepcional, localizado no bairro Cristal.
Chama-se Holenca a menina que se transformou em sombra silenciosa. Tem 10 anos, mas parece ter menos de sete. Recém está deixando a mamadeira, pois até pouco tempo atrás não conseguia engolir alimento sólido.
Embora não veja nem ouça, desenvolveu excepcionalmente os sentidos que lhe restam. Tem grande sensibilidade ao toque e reconhece as pessoas do seu cotidiano pelo cheiro. Pega a mão, cheira e identifica quem a está atendendo.
Se conseguisse se expressar, certamente diria que são mãos abençoadas. Para trabalhar num lugar como aquele, não basta ter coração generoso e espírito franciscano. É preciso ter fibra.
Chega a ser comovente ver como os funcionários e os administradores da casa dispensam carinho e atenção aos seus hóspedes.
É um lugar de carências. Faltam roupas, alimentos, remédios, material de higiene e fraldas descartáveis. Mas é provável que seja o único lugar do mundo em que aquelas pessoas tão lesadas pelo destino encontram alguns momentos de felicidade.
Quem conhece aquela casa e seus personagens especiais passa a ver a vida com outro olhar. E, se puder ajudá-los de alguma forma, talvez tenha a sorte de ter o cheiro de suas mãos incluído no catálogo olfativo de Holenca.
Um ótimo feriadão aos gaúchos de todas as querências e aos demais que a quinta-feira seja excelente.
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