sábado, 15 de setembro de 2007

Alguns amam assim



José Pedro Goulart
15/09/2007


Alguns amam assim

Início dos anos 80, lembro bem de uma noite em que fui ao cinema com duas amigas da faculdade. O filme se chamava Alguns Amam Assim e era sobre o movimento dos estudantes de maio de 68 na França.

A história girava em torno de uma ocupação violenta do campus de uma universidade parisiense. Havia os confrontos mas também havia muito (muito) sexo. Sexo a dois, a três, a dez. Enfim, a palavra suruba se aplicava nos seus dois conceitos, o de confusão e o outro.

Saímos, os três, excitados do cinema. Tínhamos uns vinte anos, a identificação com o filme foi tão natural quanto contrária da vida que de fato levávamos.

Éramos de uma geração sucedânea àquela que combateu o Estado, a ordem estabelecida - e se existiam vencedores não éramos nós os melhores exemplos. Foi então que me ocorreu um pensamento que me escapuliu pela boca quase sem querer: "Vamos a um motel?".

Devo ressaltar o quanto incomum foi o meu convite, ainda mais em se tratando de duas colegas como aquelas: não havia sequer um pequeno flerte entre nós. Elas toparam.

No quarto pedimos um vinho, no quarto começamos a rir da situação, no quarto houve, bem, tenho certeza que você quer saber o final dessa história. E o final se desdobrou e se sucedeu mais ou menos assim:

A chamada abertura militar teve prosseguimento na vida dos brasileiros. O movimento cultural, sufocado pela censura a que fora submetido por quase duas décadas, eclodiu em vários cidades do país. Teatro, música, cinema, liberdade, liberdade. O povo saiu às ruas exigindo eleições diretas. Mas não foi atendido.

E então veio o Tancredo, só que ele morreu sem sequer assumir. Entrou o Sarney e a hiperinflação. Os anos 80, que se iniciaram faiscantes, sucumbiram - a nova ordem democrática que se anunciava, que iria redimir a todos, dava sinal de esgotamento sem sequer ter se imposto.

O prato que seria servido no anos 90 era ainda mais frio: Collor, seus ministros dançarinos, seus capangas, a vulgaridade do poder permissivo. Mas se os representantes da elite nordestina fracassaram, o que dizer da elite paulista, liderada por FHC, que viria depois?

A arte também perdeu substância. Especula-se se a falta de um inimigo comum (a ditadura) é uma das causas - ou será que a falta de qualquer causa é a questão? O fato é que no último quarto da primeira década do novo milênio, o sexagenário Caetano Veloso é quem pinta os olhos para figurar na capa da Rolling Stone;

e que foi outro senhor, o Roberto Carlos, quem protagonizou a maior discussão do ano ao proibir sua biografia. E faz muito tempo que o Paulo Coelho é quem dita as regras nas letras nacionais. E no cinema, bem, quem assiste a filmes nacionais?

E seguimos entre aviões esborrachados, ministros agachados em trens ou uma senadora do PT comandando uma tropa de senadores que secretamente salvam-se entre si.

Diante disso é que não entendo como uma coisa tão insignificante quanto esse meu pensamento recorrente pode me afligir tanto; e o pensamento é o seguinte: por que diabos fui beber mais da metade daquele vinho horrível na minha única noite que tive de maio de 68?

jose.pedro@zerohora.com.br

Nenhum comentário: