quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Póstero filante



Póstero filante

Foto: Paulo Franken, Banco de Dados - 01/11/2006

É cavalar a quantidade de e-mails que recebo pedindo republicação de colunas minhas. Centenas de e-mails. Milhares, não seria exagero.

Neste novo espaço atenderei esses leitores. Acho justo. Mas, além do texto gagá, faço questão de incluir algo novo. E, na minha primeira manifestação pública via esse tal de blog, optei por incluir uma entrevista com um pneumologista. O texto atenderá pilhas, montanhas de fumantes incompreendidos e marginalizados como eu.

Não condenem o colunista sem ao menos tentar compreender sua aflição. O médico José Miguel Chatkin, chefe do serviço de Pneumologia do Hospital São Lucas, explica meu desespero em entrevista no vídeo ao fim deste post.

A coluna é de maio de 1994.

Era a madrugada de sexta-feira, dia em que seria sepultado Mario Quintana. Comi uma pizza com amigos, depois de jogar uma sinuca, larguei-os em casa e fui até a Assembléia Legislativa, onde estava sendo velado o corpo do grande poeta. Havia por lá somente umas 15 pessoas, já eram 3h30min da manhã.

Olhei em torno do ambiente funéreo, cumprimentei a guarda, aproximei-me do caixão. Estava ali inerte um gigante da poesia nacional e americana, um homem aproximado de Leon Tolstói na seguinte afinidade:

tanto a Porto Alegre do alegretense Quintana como a Yasnaya Polyana do grande escritor russo serviram à sentença deste último: "Canta e conhece tua aldeia que conhecerás e dominarás o mundo".

Em cima do caixão de Quintana estavam expostos quatro cigarros avulsos, depositados ali certamente por fumantes que buscavam eternizar e justificar a cumplicidade de seu vício com o poeta, como se sabe um grande tragador dos cilindros brancos e enfumaçados.

Fiquei lá por uns 15 minutos e fui embora. Embarquei em meu carro diante do Palácio Piratini e percebi que estava sem cigarros.

Eram já 4h da manhã, difícil achar um bar aberto que tivesse cigarros. Pensei, pensei, vacilei, mas tomei a decisão. Já tinha andado uns cem metros com meu carro, quando dei a volta e estacionei-o no mesmo lugar de antes.

Desci do carro e fui novamente para o velório de Quintana. Depressa voltei meus olhos para o caixão: lá não estavam mais só quatro cigarros, exatamente com acontecia com o túmulo de Carlos Gardel, no Cemitério de Chacaria, quando o visitei, a quem também os fãs ofereciam cigarros póstumos. Eram agora seis os cigarros em cima do caixão do poeta.

Disfarcei, a guarda estava de costas, metade dos que se entregavam à vigília quedavam-se distraídos, os outros de olhos fechados, ainda que acordados. Não tive dúvida e dei o bote: peguei três dos seis cigarros que foram doados a Mario Quintana, uma divisão que penso foi muito igual e definitivamente socialista.

Pode ser que ninguém me perdoe por este gesto quase antinecrófilo. Mas tenho a certeza de que o Mario Quintana me ofereceria não só os três cigarros que lhe furtei, mas todos os seis que lhe atiraram:

ele sabia como ninguém da necessidade obsessiva que tem um homem, principalmente um produtor intelectual, por fumar.

Embora, em vida, nunca tivesse imaginado que sua morte iria acabar beneficiando um desesperado fumante que se apanhou sem cigarros na triste madrugada da cidade órfã e maldormida.

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