05
de dezembro de 2012 | N° 17274
DIANA
CORSO
Luto
negado
Júlio
Miguel Molina, coronel da reserva do exército, foi assassinado em Porto Alegre.
Num lance surpreendente, a investigação desse crime abriu as portas para a
elucidação de outro: o assassinato do deputado cassado Rubens Paiva, torturado
até a morte e desaparecido durante a ditadura.
Na
casa do militar, foram encontrados documentos, restos de arquivos do DOI-Codi.
Nunca mais se teve notícia de Paiva depois do dia 20 de janeiro de 1971, embora
sua tortura houvesse sido testemunhada por outras vítimas.
Os
cinco filhos e a esposa estavam em casa quando ele foi levado por militares da
aeronáutica. Posteriormente, foram informados de que o preso havia fugido. Essa
família conviveu por décadas com um desaparecimento, que é diferente de uma
morte. Sem poder se despedir, tiveram que dizer adeus por dedução.
Os
papéis encontrados devolvem simbolicamente partes do corpo de Paiva. Atestam
sua prisão e arrolam os objetos recolhidos na ocasião: vestimentas, um lenço
branco, um chaveiro com cinco chaves, papéis e documentos. Até agora, não havia
como provar a presença do deputado nas dependências do exército. Agora há. Além
de anistiado, o crime estaria prescrito. Porém, ocultação de cadáver é um crime
que não prescreve. Nem o luto.
O
luto é um processo lento, no qual vamos acreditando, a contragosto, que
perdemos alguém para sempre. Inutilmente aguardamos sua volta, tecemos
comentários que lhe interessariam, esperamos sua opinião e, a cada reiterado
silêncio, nos convencemos um pouco. Mortes aniversariam por muito tempo,
revemos repetidas vezes suas cenas. Por ser inexorável, a morte é sempre
traumática. O trabalho do luto é a tentativa de lhe emprestar algum sentido.
Um
corpo desaparecido, insepulto, é o sequestro do direito ao luto. Sem ritos
funerários, a morte fica parecendo uma ilusão, de tal modo que a própria vida
do morto vai tornando-se imaginária. A crueldade com Paiva estendeu-se,
portanto, à família. Seu filho, o escritor Marcelo Rubens Paiva, perguntou-se
sobre Molina: “Por que guardava o documento? Era uma espécie de souvenir da
guerra suja?”.
A
resposta talvez seja que os algozes (com quem o coronel teve algum vínculo)
também precisam materializar a morte para acreditar nela, mesmo que seja dos
seus inimigos. A tragédia grega de Antígona, impedida de realizar os ritos
funerários de seu irmão, se atualiza para os parentes de presos políticos
desaparecidos. No fim desta tragédia brasileira, espero que estejam escritas
cenas de restituição da dignidade do luto.
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