terça-feira, 4 de dezembro de 2012



04 de dezembro de 2012 | N° 17273
FABRÍCIO CARPINEJAR

Saudade da sobremesa na geladeira

Onde está a sobremesa na geladeira? Quem comeu?

Na minha infância, sempre havia uma sobremesa me esperando. Acho que eu só almoçava pela sobremesa. Acho que só estudava pela sobremesa. Só passei de ano pela sobremesa.

Era sagrado. Era profano. Ou um sagu. Ou um arroz de leite. Ou uma ambrosia. Ou o maravilhoso pai de todos, o pudim de leite.

Quando eu via a fôrma no quarador, eu já festejava o doce sucedendo à refeição. Salivava segredos e repetia sessões da tarde.Soprávamos o doce para esfriar rápido, como quem abana as unhas depois de esmalte.

Com o pudim, o cheiro do gelo vinha a ser outro. O cheiro da cozinha vinha a ser outro. O cheiro de nossa alegria vinha a ser outro.O perfume adocicado chamava o nosso olfato a pecar.

Abríamos a geladeira como quem recebia a namorada. Lutávamos para comer um pedacinho a mais do que os irmãos. A mão direita tinha o molde de uma espátula para ser rápida e não atrair concorrência.

Gemíamos rindo, a língua se maravilhava, os dentes se deliciavam, a fatia derretia no céu da boca. Pais pareciam eternos. Tios pareciam afortunados. Eu seria astronauta quando crescesse e nada frustraria meus planos. Não havia desemprego e medo da morte.

Cada um aprendia a receita de um doce para se casar. E de um doce para se separar. Quem acertava a mão recebia comendas e elogios por semanas a fio.

A sobremesa acontecia nos dias úteis, de segunda a sexta, em horário comercial, certa como um suspiro na escadaria da igreja. Não dependia de datas comemorativas e de aniversários como agora.

Nem lembro de ter sido gordo devido à minha amizade com o açúcar e as festas das claras.

O mundo melhorou de saúde ou ficou neurótico?

Não vejo mais o hábito de reservar o sábado e domingo para preparar guloseimas.

As dietas mataram nossas sobremesas e o cafezinho de bandeja. Os regimes ditatoriais aniquilaram nossa alegria diária. As barras de cereais venceram nosso contentamento lírico.

Privilegiamos a pressa do garfo e faca, renunciamos ao uso lúdico das colherinhas. As mulheres de hoje não toleram calorias a mais, rejeitam tentações, repudiam o leite condensado.

Se elas não podem comer, nós devemos acompanhar. É um crime não ser solidário no emagrecimento. É um desrespeito e uma provocação.

A sobremesa morreu no interior de nossa cozinha. Surgiram invenções maravilhosas como a máquina de lavar louça, o micro-ondas, o multiprocessador, mas a sobremesa desapareceu, não pôde testemunhar os milagres da civilização.

Diminuiu nossa vontade de permanecer em casa, reduziu a gana de viver em família e de acordar de madrugada. Onde está a sobremesa? Quem não comeu?

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