segunda-feira, 10 de novembro de 2025


10 de Novembro de 2025
CLÁUDIA LAITANO

O presente no retrovisor

O que os historiadores do século 22 dirão sobre eventos como a COP 30? Como reuniões como a que começa hoje em Belém serão lembradas quando as consequências dos nossos erros, omissões e eventuais acertos já fizerem parte da realidade da maioria das pessoas? Vão olhar para o ano de 2025 com inveja, imaginando que nossas vidas ainda eram cercadas de beleza e abundância? Nos acharão idiotas, por não termos conseguido fazer o mínimo necessário para proteger nosso habitat, ou apenas mal-informados e ingênuos? Terão raiva de nós, os péssimos inquilinos que os antecederam, ou gratidão pelo que conseguimos mudar, mesmo remando contra a maré dominante do negacionismo?

O novo romance do escritor britânico Ian McEwan, O que podemos saber, ainda sem data de lançamento no Brasil, faz o delicioso exercício narrativo de observar nossa época pelo espelho retrovisor. Estamos em 2119, e a "melancolia metafísica" é o estado de ânimo dominante. Desde a década de 2030, as consequências das mudanças climáticas tornaram-se tão graves e disseminadas que o período ficou conhecido como o Desarranjo: uma nova era, mais ou menos como o Renascimento, só que com o sentido contrário.

O narrador da história, Thomas Metcalfe, é um professor do departamento de Humanidades (sim, os departamentos de Humanidades continuam existindo, mas ninguém dá muita bola para o que se estuda lá), que encontra alívio para a aridez do presente mergulhando no passado - mais especificamente, no período entre 1990 e 2030. Sua obsessão é tentar reconstituir todos os detalhes de um jantar que ocorreu mais de cem anos antes, em outubro de 2014. Naquela noite, o célebre poeta Francis Blundy recebeu um grupo de amigos, todos de alguma forma ligados ao meio literário, para celebrar o aniversário da mulher, Vivien, com a leitura de um mítico poema que nunca seria publicado.

No século 22, pesquisadores têm acesso a uma enormidade de dados digitais. Todos os emails, zaps, fotos, áudios e até anotações de compras, de famosos e anônimos, podem ser recuperados e estão armazenados em um data center na Nigéria. ("Roubamos a privacidade do passado", observa um personagem.) Ainda assim, é preciso uma boa dose de imaginação para que essas informações ganhem vida. Mais do que isso: é preciso se apaixonar pelos personagens e por seus contemporâneos, por mais bobagens que eles façam.

O que podemos saber é um romance sobre tudo aquilo que nos escapa quando nos debruçamos sobre o passado, mas é também uma descrição aguda e bem-humorada de um lugar tão próximo de nós que às vezes não conseguimos observar com a devida clareza: o aqui-e-agora. _

CLÁUDIA LAITANO

Um comentário:

nana disse...

GOSTO MUITO DE IAN MMM , JA VOU COMPRAR , OBG