Jaime Cimenti
Os sebos na era da web
Não faz muitos anos, a gente entrava na Rua do Livro, a Riachuelo, ali no Centro Histórico de Porto Alegre e, a poucos metros do maravilhoso prédio da Biblioteca Pública do Estado, entrava naquela simpática casa antiga, de dois andares, onde ficava o sebo, a casa de livros usados do Comendador Martins. Tinha também o sebo do seu Sétimo Luizelli, pai do Eduardo, Livraria Aurora, na Marechal Floriano, e aquele da esquina da Duque com a Espírito Santo, que tinha um porão, além do térreo.
Nessas livrarias, a gente entrava, conversava com o livreiro e com seus assessores.
Não perguntava por novidades. Perguntava por raridades. Mas o bom era sair garimpando as pepitas literárias nas prateleiras. Obras raras, livros autografados, livros com anotações de leitura, com marcas de lágrimas, café, com alguma flor ou folha seca, ou até com alguma cartinha de amor perdida entre as páginas. E-books nunca terão essas possibilidades, por mais que tentem fazer com que eles fiquem parecidos com os livros de papel, inimitáveis, insubstituíveis.
Principalmente nos sábados de manhã, os bibliófilos inveterados, os ratos de sebo e amantes de livros se encontravam nas livrarias. Jovens poetas e escritores, alguns promissores, senadores, deputados, juízes, promotores, professores, escritores consagrados, acadêmicos, outsiders e demais cidadãos do povo trocavam figurinhas, informações e, às vezes, até livros, como se fossem meninos trocando gibis na porta do cinema Rio Branco. Muitos leitores levavam os livros no Almada, no Menino Deus, para encadernação. Se possível, se a grana dava, em couro. Mandei encadernar toda a Comédia Humana do Balzac. Tempos depois lançaram uma edição completa, em conta, encadernada...
Os donos de sebo davam uma lida nos obituários, se informavam sobre o passamento de velhos professores, médicos, magistrados, jornalistas, intelectuais e, depois de alguns contatos com as famílias , mandavam alguma velha Kombi buscar as centenas ou milhares de livros que, segundo algumas viúvas, estavam estorvando, ocupando espaço e juntando poeira nas casas e apartamentos. Algumas faziam doações para entidades. No fundo, elas tinham algum ciúme dos livros dos maridos, mas isto é outra história.
Sebos tradicionais ainda existem, mas agora muitos leitores usam os sebos eletrônicos, as Estantes Virtuais, a compra de livros usados pela internet. É mais rápido, mais limpinho, o acervo é maior, geralmente os preços são bons, mas, claro, não é a mesma coisa que curtir o ambiente de uma loja de livros usados tradicional. O leitor não vai encontrar livros e pessoas ao acaso. No Rio de Janeiro, tinha até um guia de sebos. Em Paris, as livrarias de usados fazem parte da história.
Com o ingresso dos livros eletrônicos, a tendência das livrarias de usados é a diminuição, mas, no fundo, fico torcendo para que, no Centro Histórico ou em algum ponto do Bom Fim, do Menino Deus, da Cidade Baixa ou outro bairro, sempre exista algum sebo, mesmo pequeno, com algum livreiro, mesmo pequeno, para passar um livro, umas histórias e aquela imperdível conversa de livraria.
A propósito...
Certa vez, eu estava numa livraria de usados e novos que ficava dentro do Campus Central da Ufrgs. Dei de cara com uma belíssima coleção de livros sobre Ciências, acho. Abri um dos volumes e havia um carimbo da biblioteca da universidade. Mostrei para o velho e honesto livreiro, meu amigo, que já está em outra reencadernação. Ele disse: "uma professora da Ufrgs deixou aqui para eu vender, vou devolver imediatamente para a faculdade. Que coisa, não tinha visto". Conhecido meu, escritor, gostava de furtar livros nas livrarias de Porto Alegre. Um dia, um livreiro o pegou. Levou-o até sua casa. Lá recuperou os livros roubados e, dizem, levou mais alguns, para dar uma lição ao meliante literário...
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