26 de abril de 2016 | N° 18509
CARPINEJAR
Os dois lados da intimidade
A intimidade facilita a comunicação quando estamos bem, mas dificulta quando estamos mal.
Há uma predisposição para revelar o que incomoda para quem não se conhece e a de não evidenciar as falhas para quem se ama.
Não foram poucas as vezes em que um completo estranho me contou o que fez de errado no relacionamento numa mesa de bar, segredos que jamais dividiu com o seu marido ou a sua esposa, a parte envolvida e interessada na questão. Para mim, que era de fora, não teve nenhum receio de expor humildemente os seus erros. Do nada, chorou garrafas de cerveja e abriu as portas de suas angústias. Já para quem valorizava, não se sentia pronto para falar: travava, balbuciava, gaguejava e, pressionado pela ânsia de ser julgado, trocava de assunto.
Não conseguia formular o pensamento e pedir desculpas. Poderia ser uma bobagem, que se agravava com o tempo. Poderia ser uma pequena mentira, uma omissão, uma distorção, que aumentava de importância pelo constante adiamento.
Somos capazes de confidências com quem não mais veremos no dia seguinte, e incapazes de passar a limpo os problemas com quem acordamos ao lado.
Taxistas e garçons acabam sendo padres involuntários, confessionários sem penitência, condicionados a ouvir desabafos surpreendentes e a opinar sobre o destino amoroso de passageiros e fregueses em minutos. Escutam relatos de infidelidade e deslealdade que nunca foram ditos antes.
A fluência com estranhos acontece pela ausência de cobrança e de expectativa. A resistência com os íntimos vem do temor das consequências e da obrigação de mudar e pagar as dívidas sentimentais.
Com medo de perder quem se gosta, cultiva-se a arrogância da covardia. Protege-se o outro da verdade que mostrará a nossa fragilidade e imperfeição, que destruirá a idealização e colocará a nossa conduta em xeque. A ameaça da separação sempre é maior do que a sinceridade.
É preciso entender que a intimidade é amar com todos os sentimentos, bons e ruins, não apenas com as melhores intenções. Ao esconder partes significativas e desagradáveis da personalidade, estaremos traindo o futuro a dois. Não adianta ser cúmplice somente naquilo que nos favorece, e boicotar o que nos prejudica.
A vergonha de sofrer na hora trará mais sofrimento depois. Ser inteiro significa também decepcionar.
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