29 de abril de 2016 | N° 18512
DAVID COIMBRA
A moça da Palestina
Conheço uma moça que é da Palestina. Ela é bem jovem, tem uns 20 anos. Há cerca de ano e meio, quando ainda morava perto da cidade três vezes santa de Jerusalém, o pai a chamou e comunicou que um rapaz lhe havia pedido a mão em casamento. Ela nunca o vira antes, mas, como o pai afiançou tratar-se de boa pessoa, o noivado foi acertado no mesmo dia. Casaram-se meses depois e, hoje, ela garante amar o marido com devoção.
Essas coisas do coração são realmente incontroláveis.
Os ocidentais sentem repulsa pelo velho sistema de casamentos arranjados por terceiros, mas esse critério não é inferior ao da paixão, tão incensada na literatura, na música e no cinema, cá nessa parte do mundo. É até o contrário: a escolha racional e impessoal de um cônjuge não sofre a interferência nociva de sentimentos inquietantes e pouco inteligentes, como o desejo sexual.
Tomar decisões com base no desejo quase sempre descamba em erro rotundo. É o que os consultores econômicos dizem sobre supermercados. Eles alertam: jamais, jamais!, vá ao supermercado com fome. Você acabará comprando o que não precisa.
O desejo é péssimo conselheiro.
Por isso, se você pretende se casar, não faça nenhum movimento antes de apagar-se o fogo da paixão, que arde sem se ver, mas arde. Lembre-se de que nenhuma paixão dura mais do que um ano e meio. Se durar mais, é obsessão, é doença, pode procurar um analista.
Minha amiga palestina é muçulmana, como a maioria dos palestinos. Só que não é radical. Não usa burca, nem nada. Ainda assim, seus cabelos estão sempre pudicamente envoltos por um lenço. Jamais vi um único fio de seu cabelo, embora, sou forçado a confessar, tente. Fico olhando para aquele lenço, mas ele está amarrado à perfeição na cabeça. Não faço ideia se ela é morena, loira ou ruiva.
Para os muçulmanos, os cabelos da mulher são de uma sensualidade perturbadora. E, pensando bem, eles têm razão. Uma cabeleira farta faz diferença. Imagine a Gisele Bündchen de cabelo Joãozinho. Como Sansão tosado por Dalila, ela perderia todo o seu poder. Por isso, sou contra o coque. O Temer deveria proibir o coque.
Quanto à minha amiga, pedi desculpas por minha ousadia e continuei a entrevistá-la. Cogitei se ela poderia usar o cabelo solto, se quisesse. A moça respondeu que sim, mas disse que não queria. Obviamente, quis saber por quê. E ela observou, com calma e candura:
– Porque esse é um presente que só dou ao meu marido.
Achei bonito. Sorri.
Então, pedi licença para fazer uma última pergunta. Ela acedeu: claro, sem problemas. Lembrei-lhe que os homens muçulmanos podem ter quatro esposas, se as puderem sustentar, e questionei:
– E se o seu marido quiser ter outra mulher? Ele pode?
Ela apertou os olhos. Virou a cabeça coberta para um lado. E falou bem baixinho:
– Ele pode. Mas eu me separaria dele.
Pisquei, entre surpreso e admirado. Essas coisas do coração são mesmo incontroláveis.
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