29 de abril de 2016 | N° 18512
NÍLSON SOUZA
A POESIA DO TÍTULO
Um dia, lá no pretérito imperfeito da minha existência, marquei Pelé. Minha tarefa como jovem repórter de esportes era acompanhar o craque desde sua saída do hotel até o gramado. Depois (eram outros tempos aqueles), fiquei à beira do campo anotando cada movimento seu, as corridas, os dribles, os toques sutis, os chutes e até mesmo os gritos com companheiros e adversários.
Escrevi, entusiasmado, duas páginas de jornal e fiquei ansioso para conferir no dia seguinte como meu editor trataria o assunto, que título daria para a minha reportagem. Ele resolveu o problema com simplicidade: Pelé sem a bola, para o primeiro relato; Pelé com a bola, para o segundo. Ficou preciso, objetivo e atraente.
Tempos depois, já como editor, fui desafiado por uma colega a tornar mais atrativa a capa de um caderno especial que retratava o resultado de um concurso de beleza na praia. A vencedora era bela (recatada e do mar, se quisermos fazer trocadilho com outro título famoso). Sua foto, desfilando sorridente com a coroa na cabeça, ocupava quase toda a página. Não havia muito mais a dizer. Resolvi o problema colocando no lugar do título uma poesia de Cecília Meireles, de cujo início ainda lembro: “A menina translúcida passa/ vê-se a luz do sol dentro de seus dedos/ brilha em sua narina o coral do dia...” Modéstia à parte, ficou bonito, delicado e, acredito, adequado.
Em jornalismo, o título tanto pode reter quanto afastar o leitor. Ele tem a função básica de despertar o interesse pela leitura, mas nem sempre precisa ser uma síntese do que vem a seguir. Claro, não deve também enganar o leitor, mas pode, por si só, provocar a surpresa, o sorriso, a curiosidade, a conquista da atenção. Quando o humorista Chico Anysio morreu, o jornal O Dia, do Rio de Janeiro, publicou uma capa em que ele aparecia cercado por seus múltiplos personagens e mancheteou: Morreram Chico Anysio. Síntese perfeita.
Antigamente os títulos de jornais eram restritos a um número limitado de toques. O editor sofria para dizer alguma coisa em três linhas de 10 batidas (assim se chamava) ou às vezes menos. É célebre um título do Jornal do Brasil em que o capista tinha que resumir, em três linhas de três toques, a recusa do então presidente da República, Juscelino Kubitschek, em recorrer ao Fundo Monetário Internacional. O homem lascou: JK:/FMI/NÃO/.
E resolveu o problema.
Nem sempre dá para fazer poesia.
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