sábado, 2 de abril de 2016



02 de abril de 2016 | N° 18489 
ANTONIO PRATA

A SOLUÇÃO PARA A CRISE


É começar a fumar. Ou se você, como eu, é (era) um ex-fumante, voltar a fumar: basta um trago ou dois e todos os seus neurônios se erguerão em ola na arquibancada craniana, recepcionando eufóricos o saudoso veneno e deixando de lado, por alguns instantes, o 7 a 1 a que assistimos diariamente dentro do campo. Se você nunca fumou, precisa insistir um pouco. Um maço. Dois. Três, no máximo. Depois do quarto, seu córtex já vai estar inquieto (a nicotina e a Philip Morris não brincam em serviço): cadê aquela substância que tava aqui?

Eu não punha um cigarro na boca havia 15 anos. Aí, em algum momento entre a eleição do Eduardo Cunha e a inflada do Pixuleco, me vi com um Marlboro na mão. De início, fiquei triste. Senti que era uma derrota. Um recuo. Uma queda. Mas, com o agravamento da crise política, social, cultural, moral, mental etc e tal, fui percebendo as vantagens da minha idiotice. O cigarro é um abraço de bolso, um travesseiro portátil, uma cortina de fumaça instantânea, como aquelas granadas de nuvem colorida que os ninjas jogam no chão para desaparecer nos velhos filmes B da televisão: basta acioná-lo para nos isolarmos do mundo – e existe momento melhor para nos isolarmos do mundo?

O Jornal Nacional divulga grampos de Lula, batem panelas: fumo um cigarro. Policial mata criança com tiro de fuzil, não batem panelas: fumo um cigarro. Meu tio Arnoldo, que votava no Maluf, que comprou a carta de motorista, que aplaudiu o massacre do Carandiru, posta no Facebook “Agora este país vai pra frente!”: fumo um cigarro. O jornaleiro fala: “Tinha é que fuzilar esses petistas!”: compro o cigarro, abro o cigarro, fumo o cigarro. O cigarro é um botão de pause: largo o computador, saio do restaurante, dou uma volta no quarteirão e ali ficávamos nós, eu e o Marlboro, sem pensar em nada, num silêncio de cumplicidade, como um homem com seu cachorro – ele é o homem, eu, o cachorro.

O cigarro é a droga mais estúpida de todas. O álcool é uma canção de ninar para o superego. A Cannabis, como descreveu Baudelaire, faz com que todas as coisas pareçam fora do lugar sem ter se movido um milímetro. A cocaína nos coloca acima do céu. O LSD transforma um amendoim no globo terrestre e o globo terrestre no globo ocular e você e o amendoim e o globo ocular na mesma coisa linda e louca e azul e rosa e luz e som e vida e ahhhhhh! Já o cigarro cumpre a única função de sanar a aflição da sua ausência. É sarna que arrumamos para nos coçar. Necessidade. Satisfação. Necessidade. Satisfação. (E falta de ar e tosse e fedor.) Mas, enquanto estamos envoltos em seu ciclo idiota, como um ratinho correndo na roda, nada mais nos importa.

Haverá impeachment? Eduardo Cunha se livrará e passará o resto dos seus dias comendo chocolate Lindt? Um acordão parará a Lava-Jato assim que o PMDB assumir? A próxima pauta progressista aprovada no Congresso será em 2167? O que fazer neste momento terrível da história nacional? Não sei. Vocês que resolvam. Eu vou ali fumar um cigarro. (E em meados de abril, quando rolar o impeachment e o CCC estiver invadindo peças de teatro para espancar os atores, não sofrerei tanto, pois terei questões pessoais muito sérias a resolver: estarei parando de fumar.)

O colunista escreve semanalmente neste espaço

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