quinta-feira, 28 de abril de 2016


28 de abril de 2016 | N° 18511 
DAVID COIMBRA

Errei, sim


O neto de Ruy Barbosa chamava-se... bem, Ruy Barbosa Neto. Era advogado de bom prestígio, sobretudo por causa do avô.

Fico pensando se esse Ruy Barbosa Neto não seria o avô da Marina Ruy Barbosa, a bela atriz de cabelos vermelhos e carinha de nenê, que é tetraneta do velho Ruy Barbosa, a Águia de Haia. Como o primeiro nome de Ruy se transformou em sobrenome de Marina, isso não sei de que jeito funciona, mas li em algum lugar que é assim.

Essas questões de parentesco me confundem.

De toda maneira, falava de Ruy Barbosa Neto, embora talvez fosse mais agradável falar de Marina Ruy Barbosa.

O fato é que, em meados do século passado, Ruy Barbosa Neto comprou um apartamento em Copacabana. Estava feliz com a aquisição, até descobrir que ali perto havia uma boate que tinha como grande atração a apresentação de cantores famosos da época. O som rolava até de manhã e o “impedia de pensar”, segundo alegou à Justiça, para a qual pediu o fechamento do lugar.

O pior de tudo, explicou Ruy Barbosa Neto, era que várias vezes, durante a noite, os cantores repetiam a música Errei, Sim, que Ataulfo Alves fizera para Dalva de Oliveira afrontar o ex-marido, o também compositor Herivelto Martins. Em Errei, Sim, Dalva confessava para Herivelto:

“Errei, sim

Manchei o teu nome

Mas foste tu mesmo o culpado

Deixavas-me em casa, me trocando pela orgia

Faltando sempre com a tua companhia”.

É assim. Os homens são sempre os culpados, até quando elas admitem que erraram.

Ruy Barbosa Neto ouvia Errei, Sim tantas vezes, todas as noites, que, volta e meia, pegava-se assobiando a melodia. Estava enlouquecendo. A Justiça, sensível ao drama do advogado, fechou a boate, mas logo voltou atrás, e Ruy Barbosa Neto seguiu com Errei, Sim lhe reboando no cérebro por ainda muito tempo.

Gosto dessa história. Foi contada por outro Ruy, o Castro, em seu último livro, A Noite do Meu Bem, em que ele traça a, digamos assim, biografia do samba-canção.

Entendo o desespero de Ruy Barbosa Neto. Quando meu filho era pequeno, letra e música de A Galinha Magricela ficaram impressas em meu cérebro durante meses a fio, sem que conseguisse encontrar um minuto de paz. Tentava ouvir outras melodias, algo mais nobre, sei lá, não precisava nem ser um Beethoven, um Mozart, servia algum clássico dos Beatles, mas não adiantava, ele logo ouvia de novo A Galinha Magricela e os meus neurônios começavam a entoar em coro: “Bota ovos pela sala, no banheiro e na cozinha, ela bota, bota, bota sem parar...”.

A Galinha Magricela tornou-se a trilha sonora dos meus dias. Eu podia estar no momento mais solene, entrevistando o governador ou quem sabe o arcebispo, não importava, o que me vinha à mente era a imagem da Galinha Magricela virando cambota e botando quatro ovos de uma vez. Se estivesse no funeral da mãe de algum amigo, no momento em que fosse cumprimentá-lo, corria o risco de balbuciar algo como:

– Meus pêsames. Ela era magrela de botar.

Felizmente, aquele tempo passou. Mas se hoje você me ouvir dizer, com voz rouca, “I’m BATMAN!”, não ligue. Passa.

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