sábado, 9 de abril de 2016


09 de abril de 2016 | N° 18495 
ANTONIO PRATA

CARTA PRO DANIEL


Talvez algum dia, nas próximas décadas, você esbarre nesta crônica, pela internet. Talvez uma tia comente: “Lembro de um texto que o teu pai te escreveu quando você era bebê, era sobre uma praça, acho, cê já leu?”. Talvez eu mesmo te mostre, na adolescência, vai saber?

Esta crônica é sobre uma praça, sim, sobre uma tarde que a gente passou na praça, no dia 5 de abril de 2016. Não é nenhuma história extraordinária a que vou te contar, é uma história simples, feita de elementos simples como é feita a maior parte da vida da gente, esses 99% de que a gente desdenha, sempre esperando por acontecimentos extraordinários, mas acontecimentos extraordinários são raros, como a própria palavra “extraordinários” já diz, aí a vida passa e a gente não aproveitou. Pois hoje você me fez aproveitar a vida, Daniel, e por isso resolvi te escrever, agradecendo.

Eu tava lá em casa, triste de tudo. Triste com os rumos do país, mais triste ainda com outras questões paralelas inteiramente irrelevantes para a pátria, mas especialmente doloridas para este patrício, então você cruzou a sala sorrindo no colo da Jéssica e me deu uma vontade louca de passarmos um tempo juntos. Falei “Queca, dá esse menino aqui, a gente vai à praça, eu e ele, vamos, Dani? Só os homens?”. Eu te botei no carrinho, descemos pelo elevador e ganhamos a rua.

Você ia batendo as pernas, eufórico, apontando as coisas e soltando seus grunhidinhos, como que querendo me mostrar o que via a caminho da praça, com a Jéssica, todas as manhãs. Eu ia dando nome às coisas. É, Dani, é a árvore. É, é o carro. É o caminhão. As pessoas pelas quais a gente cruzava abriam sorrisos pra você e depois pra mim. Nós sorríamos de volta, eu por orgulho, você por simpatia – você é assim desde que nasceu, de bem com a vida, tão diferente deste teu pai, sempre angustiado, aflito, procurando cabelo em ovo.

Chegamos à praça. Eu quis te pôr no balanço, mas você me apontou o túnel de concreto. Te coloquei numa ponta do túnel, fui andando em direção à outra, sumi de vista por uns segundos e você deu uma resmungada, achando que eu ia te abandonar ali, mas então me agachei e apareci do outro lado. Você achou aquilo hilário – “O cara tava aqui, sumiu e apareceu lá!” –, deu uma gargalhada e veio engatinhando até mim. Fui te pegar no colo, mas você se esquivou e olhou pra outra ponta. 

Entendi a brincadeira, corri até a outra ponta. Você me viu, gargalhou de novo – “Agora o cara tá do outro lado! Que loucura!” –, foi até lá, me mandou voltar e nós ficamos perdidos nisso pelo que me pareceram horas: eu aparecia numa ponta do túnel, você engatinhava até lá, eu corria pra outra, você vinha de novo. Quando me dei conta – não vou dizer que meus problemas tivessem sumido, que a tristeza houvesse passado, mas... –, eu estava, como diria o poeta, comovido como o diabo.

De noite, deitado na cama, eu me consolaria: este mundo é uma tragédia, o Brasil tá ferrado e eu também não me sinto muito legal, mas eu tenho um filho que põe sorrisos no rosto de quem passa e que com algumas gargalhadas reconforta o meu coração. Enquanto isso, no quarto ao lado, você estaria se perguntando: “O cara sumia de um lado, aparecia do outro, como será que ele faz? É truque? É mágica?”. Depois dormiríamos, acreditando que tudo iria ficar bem.

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