08 de abril de 2016 | N° 18494
DAVID COIMBRA
Os sofrimentos da mídia golpista
Eu, como sou da mídia golpista, fico chateado com algumas coisas bobas e sem importância que acontecem no Brasil.
Essa notícia que foi publicada na página 11 da Zero Hora de ontem, por exemplo: os técnicos do Tribunal de Contas da União descobriram que 578 mil lotes de terra foram concedidos irregularmente no programa de reforma agrária do governo federal.
Crianças de dois anos de idade ganharam terra. Mais de mil políticos ganharam terra. Trinta e sete mil pessoas que já morreram ganharam terra.
Se não fosse da mídia golpista, diria que esses fatos comezinhos fazem parte do que sempre ocorreu no Brasil, que no governo do Fernando Henrique devia haver algo parecido, e não pensaria mais no assunto. Só que sou da mídia golpista, então fiquei um pouco aborrecido.
Lembro-me do meu tempo de Famecos. Nós passávamos as noites no Maza, o bar do outro lado da Bento. Sentávamos nas mesas compridas de madeira e começávamos a salvar o Brasil. Uma das nossas primeiras medidas era fazer a reforma agrária. Sempre citava Emiliano Zapata e seus camponeses que marchavam a partir do sul do México entoando:
– Terra! Terra! Terra! E agora a reforma agrária deu nisso.
Pior: um líder da Contag prega violência dentro do Palácio do Planalto, em frente à presidente da República. Outra: o ex-presidente da República diz que, se precisar, ele convoca o exército do MST para o enfrentamento com a “elite perversa”. E, para arrematar, o Chico Buarque não apenas joga bola com os generais do exército do MST como manda disco autografado para o Maduro, o presidente da Venezuela, que fala com passarinhos enquanto destrói a economia do seu país.
O Chico, imagine! Nós cantávamos as músicas do Chico nas mesas do Maza, depois de termos planejado a reforma agrária e derrubado o governo. Apesar de você, amanhã há de ser outro dia.
Já naquele tempo queríamos derrubar o governo. Sempre fomos golpistas, acho. Só que, então, éramos estudantes de jornalismo golpistas. Depois, no governo Collor, eu já era da mídia golpista havia tempo. Qualquer Fiatzinho Elba ou reforminha na Casa da Dinda fazia vir à minha, às nossas cabeças golpistas, a ideia de que aquele governo perdera a legitimidade.
Golpeado Collor, pensávamos que não nos incomodaríamos mais com esses que tais. Qual o quê!
Petrobras, Eletrobras, Correios, BNDES, Incra, empréstimos escusos a ditaduras africanas, reformas em triplex e sítios, campanhas pagas com dinheiro de propina, delações de empresários, do líder do governo no Senado e, ah, pedaladas fiscais. Bilhões, bilhões.
Olhando assim, parece muito. Parece que é meio ruim para o Brasil. Mas é só porque sou da mídia golpista. Se não fosse, pensaria que está tudo bem, que é tudo muito natural, que outros já fizeram e que poderia muito bem continuar sendo feito. Não ser da mídia golpista é muito mais tranquilo. A mídia golpista se preocupa à toa.
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