sábado, 2 de abril de 2016



02 de abril de 2016 | N° 18489 

DAVID COIMBRA

Onde está a democracia, afinal

Democracia, democracia, como há campeões da democracia no Brasil. Três casos recentes:

1. Houve um convescote em Porto Alegre, fiquei sabendo, em comemoração ao aniversário da chamada Redentora de 1964. Os organizadores anunciaram que se tratava de um evento “democrático”.

2. No mesmo dia, 31 de março, houve manifestações em favor do governo do PT. Faixas e discursos do Chico Buarque diziam que todos estavam lá “em defesa da democracia”.

3. Dias antes, 6 milhões de brasileiros saíram em vagas pelas ruas das cidades protestando contra o governo do PT.

Também eles gritavam pela democracia.

Para você ver como a democracia é fluida. Quando alguém fala que está defendendo a democracia, nunca sei se essa pessoa é contra ou a favor do governo.

Onde está a democracia?

O que é, de fato, a democracia?

Começo dizendo o que NÃO é:

A democracia não é só voto.

A democracia não é só um conjunto de direitos do cidadão.

A democracia não é a garantia de total liberdade.

A democracia tampouco é a garantia de total igualdade.

Isso é o que a democracia não é.

E o que ela é?

A democracia é o cumprimento do contrato social, para usar um termo do francês Rousseau. Em miúdos: a democracia existe quando tudo e todos, numa sociedade, estão abaixo da lei escrita pelos representantes legitimamente eleitos pelo povo.

Lei. A democracia é a lei.

Tomando esse princípio como base, não há confusão. É fácil de identificar, por exemplo, que o regime militar não foi democrático. O Legislativo não era respeitado, e o Legislativo é o poder que representa mais diretamente a população.

Esse jogo de pesos e contrapesos entre os três poderes é que define o equilíbrio da democracia.

O Executivo, precisamente por querer “executar”, tem uma natural tendência ao autoritarismo.

O Legislativo, por sua multiplicidade, tende ao conflito.

E o Judiciário, por sua tecnicidade, tende ao elitismo.

Quando um poder está mais fraco, os outros se fortalecem. No caso atual do Brasil, dois poderes estão em crise: o Executivo e o Legislativo. Normal, assim, que o Judiciário inche, seja requisitado como mediador e, eventualmente, se exceda.

O Judiciário a todo momento está sendo convocado para dirimir um problema havido entre os outros dois poderes.

Por que isso? Porque o Brasil está clamando pela orientação da LEI. Porque o Brasil quer, enfim, submeter-se à LEI. Porque o Brasil está se tornando uma democracia.

O caminho é longo, bem sei. Há riscos, sabemos. Mas avançamos. Negociação de muquiranas

O governo compra votos e paga com cargos. É miudeza, coisa de muquirana: em troca de um salário pingado na conta todo dia 5, o deputadinho vai lá e dá o seu votinho para que a presidente não seja demitida do seu empreguinho.

Se acontecesse numa empresa privada, seria um escândalo. Imagine o executivo de uma empresa usando os cargos subalternos para fins particulares, e não para o bom funcionamento da companhia. Os acionistas não aceitariam. O executivo seria demitido.

No caso do Estado, os acionistas são os cidadãos, mas eles não se importam. As pessoas ouvem as notícias sobre as negociações dos cargos no governo federal, e acham isso muito natural.

Para o brasileiro, o Estado não é dele: é do Executivo. Viemos de uma longa monarquia, tivemos um breve interregno de democracia e, depois, o Pai dos Pobres Getúlio, um rei de bombachas. A partir daí, continuamos em busca de reis: Jânio, Collor, Lula, todos pequenos reis.

O Estado, assim, não é dos seus acionistas. É do Executivo. Do rei. E o rei usa-o como bem entender, enquanto os súditos aplaudem e o saúdam: “Não vai ter golpe!”.

Já teve golpe. Todos os dias tem golpe.

A nossa impunidade

Durante décadas classificamos a impunidade como o maior mal do Brasil. Quando finalmente alguns brasileiros comuns, do povo, um juiz de primeira instância e um punhado de promotores e policiais, quando finalmente essas pessoas começam a agir com retidão para punir quem cometeu irregularidades, parte do Brasil ergue-se em críticas, ironias e relativizações.

A crítica à impunidade só valia quando os outros mereciam punição.

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