domingo, 3 de abril de 2016



03/04/2016 às 13:43 \ Feira Livre
Uma crônica da Valentina de Botas: Ainda a caminho de Budapeste

VALENTINA DE BOTAS

Como todos os pais, o meu sabia o que é bom para as crias: tu vai fazer um curso de datilografia. Já tinha feito o terceiro curso e nada. O alagoano de amor pedregoso e pedagógico não me autorizava a desistir. Na atração do que não se vê, mas se adivinha num arrepio, eu já tramava uma rota de liberdade para fora de casa, então expliquei audaciosa que continuaria a procurar emprego, só não queria aprender de novo o que eu já sabia. 

Os cursos mantêm tu treinada, ele encerrou o assunto. Logo depois do quarto curso, com um professor que falava “vamos aprendermos a batermos à máquina de escrevermos”, a perseverança produziu o milagre. 

 “Meu Deus do céu! Essa é a nossa alternativa de poder?”: o ministro, mentor da sabotagem da comissão especial da Câmara para o processo de impeachment do governo que generalizou a corrupção, acha que “o sistema político se tornou um espaço de corrupção generalizada” e desesperou-se com o fato de a alternativa constitucional ser o PMDB.

Barroso, descansa teu coração, homem, porque, não exatamente Deus, mas Lula, coisa equivalente para os adoradores da figura mais depravada da nossa história política, viu tua angústia e te oferece Givaldo Carimbão. Nada de quadros técnicos com os quais Temer formaria um ministério competente para os tempos dramáticos que já vigoram: Carimbão do nanico PHS, famoso por seu anonimato, não tem, digamos, um Armínio Fraga, mas votos contra o impeachment. 

Comprando deputados na ampliação da falência das instituições, o caudilho nefando prepara um calote, pois acabou a nossa grana, a única que a escória é capaz de obter, numa delinquência ávida para financiar o amor de Dilma. Sim, segundo Beth Carvalho, “é o amor que faz com que Dilma Rousseff se levante todos os dias de cabeça erguida para lutar por um Brasil mais justo”.

Coisa preciosa, amor não é fácil de achar e esse afeto de Dilma de plena perversão custa caro ao amado. É que a declaração ridícula confunde uma criatura indecorosa com uma presidente amorosa cujo afeto contra o país se traduz em crimes torpes como obstrução da justiça, improbidade administrativa, petrolão e inépcia tornada crime pelo gigantismo. O regime mafioso tirou milhões de pessoas da pobreza, os enamorados dele dizem relevando ou negando os crimes e fazendo dos pobres álibis morais da bandidagem. 

E onde as pôs? Num país sem educação, sem saúde, sem emprego, sem instituições – sem país. Meu pai achava bonito trabalhar em escritório, mas não foi por boniteza, e sim por precisão que comecei a trabalhar aos 14 anos num escritório com computador e telefone. Uma evolução e tanto, já que ele começara aos 6 nos canaviais de Alagoas. Esse homem que conheceu a pobreza que Lula desconhece rejeitava ser álibi moral de delinquentes.

Do meu salário, 60% iam para minha mãe e o resto para o sonho de conhecer Budapeste semeado desde criança quando li “Os meninos da rua Paulo” e achei a Hungria no mapa da biblioteca comunitária do bairro, onde se abrigava o livrinho adorável. Depois de quatro anos de poupança espartana, minha mãe quis me impedir em presságios que a maternidade me ensinou, mas ela sabia que eu já era livre. Na agência de viagem, uma foto deslumbrante do Índico me fez trocar a Europa pela Oceania. Pouco antes de voltar ao Brasil, pedi demissão por fax e avisei meus pais que a viagem virara mudança. 

Não estava matando nem roubando, só amando, esse voo que nos leva a manobras estúpidas, mas cuja vista lá de cima é única. No pouso, viúva aos 20 e poucos anos, como uma Ícara semialada que perdera uma das asas em voo alto demais, meus pais me aninharam com amor. Eles confirmaram o que a filha sabia e a mulher descobriu a caminho da Budapeste ainda não alcançada logo ali: formas do amor e torpezas não se misturam.

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