quinta-feira, 7 de abril de 2016



07 de abril de 2016 | N° 18493 
DAVID COIMBRA

Isso vai mudar


Os bostonianos usam uma expressão da qual gosto muito, quando alguém reclama do clima. É bem simples, mas faz pensar.

Clima é assunto importante por aqui. Pode-se dizer que se trata de uma das atrações da região. A cidade passa por mutações radicais a cada estação, e as pessoas também.

O outono é considerado por muitos a temporada mais bonita. Nas White Mountains, bem perto, ocorre o fenômeno da foliage: as folhas das árvores ficam amarelas, cor de laranja e vermelhas. Isso se dá em toda parte na Nova Inglaterra, mas lá, com as montanhas com seus picos nevados ao fundo, parece mais exuberante. Então, as pessoas sentem-se levemente românticas. Elas se cruzam nas ruas e sorriem umas para as outras e a vida dá a impressão de ser feita só de coisas boas.

Depois vem o inverno, e o inverno pode ser duro. Anoitece às quatro e meia da tarde e, com temperaturas que desabam 20 graus abaixo de zero, permanecer mais de 15 minutos na rua é uma temeridade. Mas há algo especial no inverno: a neve. Sobretudo a primeira neve. Você vai dormir e, quando acorda, abre a janela e depara com a paisagem branca. 

É uma emoção. E, quando para de nevar, os dias são lindíssimos: o céu se abre inteiramente de azul, não resta uma única nuvem lá em cima e, assim, o sol se esparrama pela terra, deixando as longas manhãs e as breves tardes com uma claridade que nunca vi igual. Já as pessoas, no inverno, tornam-se mais velozes, mais afanosas. Não há tempo a perder, a neve dá trabalho, há de se fugir do frio.

A primavera é curta e inacreditavelmente brusca. A minha rua é margeada por árvores. Numa manhã de primavera, saí de casa e, surpresa!, estavam todas, todas!, com as copas em tons de lilás e roxo. Era como se tivessem sido pintadas durante a noite. Cheguei a levar um susto com a cena.

Mas a primavera dura uns 15 ou 20 dias e logo chega o verão e os dias encompridam e as pessoas continuam até tarde na rua e vestem roupas leves e gargalham por qualquer motivo. Há uma ânsia pelo verão, uma necessidade de viver ao ar livre. Os bares colocam mesas nas calçadas, os parques se enchem de gente tomando banho de sol e as mulheres se põem em biquínis como se estivessem nas areias da Praia Brava. A quantidade de eventos a céu aberto é estonteante: concertos, filmes, shows, peças de teatro, feiras, festivais, todo dia tem algo para usufruir em algum lugar.

Ah: e o meu vizinho, o velho Jim, vai para a varanda, faz churrasco todas as tardes e recebe as amigas para convescotes animados. Como o Jim deve esperar pelos dias de verão...

É uma cidade renovada a cada estação, e as pessoas se renovam junto com ela.

Donde a filosófica expressão de que os bostonianos se valem, ante comentários sobre o clima:

– It’ll change. Pronuncia-se “iril tchendg”. Isso vai mudar.

Ou, como dizia o Eclesiastes, tudo passa.

Pois passa. Os verões sucedem as primaveras, como as noites sucedem os dias. Tudo parece sempre igual, mas tudo, na verdade, está sempre se transformando. Nós, brasileiros, estamos nos transformando. O Brasil está se transformando. Talvez para melhor.

Hoje está ruim, mas, acredite: isso vai mudar.

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